quinta-feira, 28 de março de 2013

O PORTUGAL QUE PERDEU AS GRAÇAS DA SUA REALIDADE: um artigo de Jorge Marques.

 

por Jorge Marques (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

 

 

Não tenho nada contra o que já chamam de Nova Ordem dos Comentadores Televisivos, nem contra o direito de expressão de quem quer que seja, bem pelo contrário, as minhas discordâncias tem a ver com a discriminação de que estão a ser alvo todos aqueles que tendo opinião útil e necessária ao país, estão a ficar cada vez mais silenciados e sem possibilidade de comunicar as suas ideias e pelo simples facto de não estarem alinhados com os interesses partidários em voga. Não estou contra a liberdade de uns, mas contra a falta de liberdade dos outros. E quais são os verdadeiros riscos da situação para todos nós?

  • Sabemos, cada vez mais, que a realidade que conhecemos não é a mesma que vivenciamos por nós próprios, mas aquela que nos chega através dos media, sobretudo através da televisão. Aquilo que julgamos saber é em boa verdade veiculado por esses media e por pessoas que nos mostram e dizem aquilo que, para eles, consideram mais importante e mais significativo, mesmo que isso não tenha importância nenhuma para todos os outros. No entanto é isso que passamos a discutir. Quer ainda dizer que a nossa opinião e a nossa realidade são já produtos em segunda mão no caso dos comentadores livres e independentes e em terceira ou quarta mão sempre que esses mesmos comentadores representam ou estão ligados a interesses partidários e outros;
  • Exagero a que estamos a assistir com a quantidade dos comentadores vindos do lado dos interesses partidários, nomeadamente dirigentes, ex-dirigentes, ex-governantes, deputados e outras figuras arcadamente partidárias, está a conduzir-nos para um cenário de uma cada vez maior perda da nossa liberdade de pensar e construir opinião, bem como da perda completa do espaço e opinião públicos da Sociedade Civil. Pior ainda, a realidade desses senhores pouco tem a ver com a realidade da generalidade do país;
  • Poderia pensar-se que estamos a trabalhar no fortalecimento de uma Sociedade Democrática, numa diversidade e respeito pelas diferenças ideológicas, mas para isso seria preciso que os partidos políticos fossem suficientemente representativos, que a sua cobertura abrangesse a maioria da população do país. Todos sabemos que não é assim, as organizações partidárias, em termos de militantes, representam apenas cerca de 3% dos eleitores e em termos de votos cerca de metade. É bom que se perceba que metade do país ou mais, não se revê nos partidos políticos existentes. Por outro lado, conhece-se o sentimento geral relativamente aos partidos políticos, conhecem-se várias e sérias iniciativas. Portugal está em estagnação: agradeçam aos nossos “amigos” europeus da Sociedade Civil por trazerem mais seriedade e coerência ao Sistema Político, conheçam-se os esforços de construção de várias alternativas, tudo isso combatido ou morto pelo silêncio dos media. O que não é mediatizado, pura e simplesmente, não existe;
  • Portugal vive um momento particularmente grave muito para além da crise económica e que tem a ver com estas falhas de visão. Por um lado tenta manter-se um Sistema Politico Partidário tal como existe e a perder cada vez mais a sua representatividade e sem soluções para construir um futuro. Por outro diz-se que com isso estamos a defender a democracia, a evitar uma crise política, quando estamos apenas a preservar uma oligarquia partidária que está, vai, vem...repetidamente a fazer e dizer as mesmas coisas e dependendo apenas se está ou não no poder. A construção de uma realidade nacional com base nesta oligarquia, que confia na fraca memória dos portugueses, é um verdadeiro delito de opinião e uma tremenda falta de respeito por todo o povo português que não tem qualquer hipótese de se exprimir publicamente;
  • Mas fica em aberto a hipótese de que ainda assim esse Sistema Político, com todos os seus defeitos, tem o direito a exprimir-se e a recolher adeptos para as suas ideias. É verdade, mas isso não pode ser feito em regime de monopólio de ideias e de representação, da não divulgação de outras hipóteses que igualmente querem exprimir-se e recolher reconhecimento junto do país, daqueles que querem e tem direito a um futuro diferente. É o cruzamento destas e de outras realidades que liberta um país, que ajuda a reunir traços comuns, é assim que se constrói e se integram as opiniões de todos e não apenas de alguns que representam cada vez menos gente.

Portugal precisa de clarificar esta situação com muita urgência e dizer que tipo de democracia quer, que representatividade quer, com cidadãos independentes e partidos, com mais controlo e exigência dos cidadãos? Portugal precisa de um referendo clarificador e que nos permita sair deste impasse e seguir mais fortes e em frente. Precisamos recuperar a nossa realidade, porque o que ouvimos da Assembleia, do Governo, do Presidente da República e neste tipo de debates parece ter pouco a ver com a vida real dos portugueses.

domingo, 24 de março de 2013

OS BONS ALUNOS INDIGNADOS: um artigo de Jorge Marques.

 

por Jorge Marques (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).



Não me espantaria que um dia destes surgisse o Movimento dos Bons Alunos Indignados (MBA-I) dado o uso e abuso que desse conceito se tem feito na política portuguesa desde Cavaco (incluído) e até aos dias de hoje. Vamos tentar colocar esse título no texto certo.

Não há dúvida de que os Bons Alunos devem ficar ofendidos sempre que se fala do comportamento e atitude do governo português face à Troika como sendo os de um Bom Aluno. Fica-se com a ideia de que ser Bom Aluno é ser um pau mandado; é fazer aquilo que os professores querem; é não ter voz, vontade ou opinião; é ser incapaz de pensar de maneira diferente; é não saber criar nada de novo; é repetir tudo o que o professor diz nas aulas; é elogiar sistematicamente esses mesmos professores com o propósito de obter benefícios em troca; é não ser capaz de apresentar ideias e propostas alternativas; é não ser ninguém, para poder alimentar o Ego do professor; é pensar apenas nos benefícios pessoais que se podem conseguir com tal atitude…

Em boa verdade, todos nós tivemos professores, alguns dos quais por insegurança alimentavam esse tipo de comportamentos nos alunos, mas desses já nem sequer lembramos o seu nome. Os professores de quem nos lembramos mesmo, foram aqueles que se assumiram como Mestres de um conhecimento, aqueles que descobriram e libertaram o nosso potencial, aqueles que tinham consciência de que aquela relação aluno/professor era temporária e que uma outra vida maior se seguiria para cada um dos lados, em resumo, foram aqueles que nos ajudaram e nos deixaram crescer.

Na minha colecção desses Mestres tive até um, de quem me lembro quase todos os dias, que nos dizia: "Quem souber apenas o que lhe ensinei, dou-lhe a nota 10; quem conseguir relacionar isso com outras matérias, tem 14…mas o 16 ou mais, só para quem me contrariar ou criar alguma coisa de novo!"
 
É por tudo isto que é preciso corrigir a ideia de que o governo português não é de facto um Bom Aluno mas apenas um mero capataz da Troika, que se exibe como sendo mais papista que o papa, que decorou apenas a letra de um texto sem contexto, que aspira a uns elogios de ocasião, que espera benefícios para uma carreira futura.

Um Bom Aluno não é nada disso! Esse questiona o professor; obriga-o a preparar muito bem as aulas; obriga-o a ter conhecimento e experiência profundos; faz produzir um crescimento simultâneo de professor e aluno e ambos se desafiam na procura de novas ideias e de novas soluções. O Bom Aluno causa desconforto ao professor, causa-lhe tensão, provoca-o enquanto Mestre e comunga com ele os objectivos de novo conhecimento.

O governo português não está a ser um Bom Aluno no seu relacionamento com a Troika e com a sua atitude, dá de si um péssimo exemplo às novas gerações que querem construir um futuro diferente. São infelizmente também esses valores que são ensinados nas escolas das juventudes partidárias.

Também não nos podemos esquecer de que os Bons Alunos não são um produto de geração espontânea, são o resultado de uma relação com Bons Mestres e esses também não os vemos na Troika ou nos órgãos de decisão da Europa. Portugal é hoje uma pobre vítima de uma escola menor onde o ser Bom Aluno se resume a esta triste caricatura a que todos estamos a assistir.

É porque temos que refundar esta avaliação, que os verdadeiros Bons Alunos e os Bons Mestres têm que se movimentar e contrariar este falso movimento. Se não o fizerem, correm o risco de ficarem metidos no mesmo saco e não terem lugar no Mercado do Futuro…

sexta-feira, 22 de março de 2013

PAIS E ENCARREGADOS DE EDUCAÇÃO PREOCUPADOS COM O DESNORTE DO MINISTRO DA DEFESA VÃO FAZER VIGÍLIA: um comunicado da AAAIO.


A Associação de Pais e Encarregados de Educação do Instituto de Odivelas e a Associação de Antigas Alunas daquele Instituto vão iniciar uma vigília contra aquilo que consideram ser o desnorte do Ministro da Defesa quanto ao futuro dos Estabelecimentos Militares de Ensino (EMEs).
Em missiva dirigida ao Sr. Ministro Aguiar Branco, na passada semana, os pais e encarregados de educação manifestaram a sua disponibilidade para participar no desenvolvimento de uma solução para um modelo de gestão rentável e sustentável para o Instituto de Odivelas, dado que entendem que o futuro desta instituição de ensino e do conjunto alargado de educandos e suas respectivas famílias está ainda em fase de reflexão e decisão, reforçando que existe um entendimento alargado no seio das várias Associações ligadas aos EMEs quanto às soluções que podem vir a ser adoptadas.

Na carta enviada ao Senhor Ministro da Defesa, os pais e encarregados de educação manifestaram, também, a sua pretensão em assumirem as suas responsabilidades cívicas, contribuindo activamente para a boa gestão destes estabelecimentos de ensino, aludindo ao facto de as EMEs serem um património histórico da cultura e da civilização portuguesa, que contribuem de forma significativa para a formação de futuras gerações de cidadãos nacionais. Referem, ainda, que as EMEs representam um activo muito relevante na preservação e rentabilização das respectivas instalações que, no caso do Instituto de Odivelas, é considerado património nacional, por se tratar de uma obra gótica rara na área metropolitana de Lisboa, onde se encontra o túmulo do Rei D. Dinis.

O Instituto de Odivelas é Escola há 113 anos. Foi fundado em 1900 pelo Infante D. Afonso de Bragança e é hoje um estabelecimento de ensino - ainda que dependente do Estado-Maior do Exército – aberto à comunidade civil em regime de externato e internato e está entre os três melhores estabelecimentos de ensino em Portugal. É reconhecido como um importante instrumento de política externa, uma vez que forma alunas oriundas de países de língua oficial portuguesa, futuros quadros superiores e decisores desses países, seguramente determinantes nas relações sociais, económicas, culturais e, porventura, também políticas entre os Estados que falam a mesma língua.

A associação de pais e encarregados de educação do Instituto do Odivelas prometem tudo fazer para sensibilizar o Ministro da Defesa e o Governo para a necessidade de manter a identidade e individualidade das EMEs, sendo que, face ao contexto económico, é forçoso fazer evoluir o modelo de gestão destas instituições de forma a adaptá-lo às exigências económicas e financeiras com que o país se vê confrontado.

Lisboa, 18 de Março de 2013.

UM MODELO DE ENSINO PROFISSIONAL PARA PORTUGAL: reportagem vídeo do XIII Encontro Público PASC.


quarta-feira, 20 de março de 2013

UM MODELO DE ENSINO PROFISSIONAL PARA PORTUGAL: uma reflexão sobre o XIII Encontro Público PASC, por Maria Perpétua Rocha.
























A escolha pela PASC do tema do XIII Encontro Público: “Um modelo de ensino profissional para Portugal”, que teve lugar no dia 7 de Março na Ordem dos Engenheiros, em Lisboa, corresponde ao reconhecimento de que a ausência de uma política para o ensino profissional, que pautou o sistema educativo em Portugal, é uma das causas da ausência de competitividade da economia portuguesa.

A iniciativa governamental de recolocar o Ensino Profissional na Agenda Política é um passo importante, no entanto não podemos deixar de considerar fundamental que para o sucesso da implementação de um modelo adequado a Portugal o mesmo tem que ter em consideração:

  • A valorização social da formação profissional; 
  • A visão e o suporte dos Pais e Educadores;
  • A visão e a experiência das Empresas que operam no País;
  • A experiência acumulada pelos antecedentes de ensino técnico-profissional em Institutos que, como o Instituto dos Pupilos do Exército (IPE), mantiveram estas competências, sendo que no caso do IPE o seu contributo tem sido fundamental no sector das Indústrias para a Defesa e pólos tecnológicos das Forças Armadas e de Segurança;
  • Com base em experiências como as do IPE, a implementação de um ensino profissional de excelência, poderá apresentar um enorme potencial no âmbito da Cooperação no Espaço Lusófono. 
     

domingo, 17 de março de 2013

QUE POLÍTICA MACROECONÓMICA DEPOIS DO PROGRAMA?: Conferência organizada pela SEDES, integrada no Ciclo "Pensar Portugal".


PORQUE NÃO REAGE O POVO PORTUGUÊS?: um artigo de Jorge Marques.

 

por Jorge Marques (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

 

 

Quando António Damásio demonstrou cientificamente a ligação entre a emoção e a razão, não disse apenas que Descartes estava errado, mas que o seu monopólio tinha chegado ao fim. No entanto, continuamos a fazer muito pouco uso do seu trabalho, apesar de nos ter aberto mais uma porta de oportunidades.

Uma das primeiras dificuldades tem desde logo a ver com a utilização de linguagens que são diferentes, uma vez que na razão temos a palavra e na emoção o sentir, coisa que não nos ensinaram na escola. Isto quer dizer que recebemos o mundo, os acontecimentos, as relações através dos nossos sentidos, sendo por aí que entram as várias realidades.

No entanto este mundo que recebemos tem duas origens diferentes, uma que acontece através daquilo que observamos e vivenciamos directamente, outra através da opinião dos outros, através das várias formas de mediatização e que nos chega em segunda mão. É em resultado do que recebemos do mundo, que geramos aquilo a que chamamos emoções (e-mover) e que quer dizer, mover de dentro para fora.

É verdade que as nossas acções, resultado dessas emoções, deveriam nascer mais da nossa observação directa, do nosso sentir mais genuíno, da nossa autenticidade, maturidade e menos da opinião alheia. Mas não acontece assim porque a pressão cultural, social, mediática e outras, são de tal maneira fortes, que as nossas acções genuínas borregam e passam a ser comandadas pela nossa razão, que aqui funciona como polícia. Dessa mistura de valores, com e sem significado e das opiniões alheias, acaba por nascer o politicamente correcto e o emocionalmente adormecido, a não acção.

Quero dizer que os nossos comportamentos, ditos normais, deveriam ter componentes racionais e emocionais, da mesma maneira que andamos com as duas pernas. E se chamamos deficientes às pessoas que andam com uma só perna, o mesmo deveria acontecer quando utilizamos só a razão ou só a emoção.

E quais são as consequências directas de tudo isto?
 
Acontece que estamos a perder a relação directa e natural da realidade que se está a passar em Portugal. Essa realidade está apenas a ser sentida pelos que sofrem, pelos que caem na pobreza, pelos esempregados, pelos reformados, pela juventude privada de futuro, pelos que estão a ser humilhados na sua dignidade. Quanto ao resto está criada uma sociedade, uma espécie de mundo em segunda mão, que é aquele que nos é mostrado por intermédio dos outros. Mediatização é isso mesmo, acontece quando alguém nos dá a informação que julga relevante para ele, a notícia que lhe interessa, a sua opinião, comentário ou simples ponto de vista.

E quem produz afinal essa realidade e esse mundo em segunda mão que nos adormece?

Basta estarmos atentos à maioria dos comentadores e analistas da nossa Comunicação Social, que são certamente gente boa, mas que quando falam de pobreza, humilhação, desemprego, dificuldade de se fazer ouvir e outros males sociais nada sente, esse não é um problema seu e mesmo que as suas palavras manifestem grande solidariedade, elas serão sempre racionais e de conveniência.

Esta situação agrava-se ainda mais quando esses comentadores falam de uma reforma dos sistemas político e económico e eles mesmo os alimentaram e são responsáveis pelo estado a que chegámos, são parte do problema.

O povo português não reage porque neste momento vive no meio de uma confusão entre dois mundos, um que é o seu e onde sofre e sente e o outro é aquele que lhe dão através da mediatização de uma realidade feita por gente que de uma maneira geral está bem.

A nova primavera portuguesa vai trazer-nos mais uma onda de comentadores de televisão, todos vindos do sistema político-partidário e que vão abrilhantar os nossos serões,não se percebendo se é para anular a discussão sobre a reforma do sistema político, se para produzir pequenas mudanças e para que tudo fique na mesma.

Quase que nos esquecemos que o problema principal da nossa democracia representativa não está na forma, é sobretudo um problema de falta de qualidade e autenticidade dos nossos representantes. O que nós queremos é que a realidade política se aproxime da realidade do povo português e para isso temos que trazer os autores da nossa vida colectiva e não os actores de uma falsa representação. O nosso problema é a falta de verdade!

quinta-feira, 14 de março de 2013

"NO TERRENO ABANDONADO PELA SOCIAL DEMOCRACIA, RESIDE O CAMPO DE BATALHA ENTRE FORÇAS DESIGUAIS [...]": uma reflexão de Mendo Henriques.


por Mendo Henriques (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).


 
Foto em http://www.publico.pt
Portugal, 13 março de 2013. No terreno abandonado pela social democracia, reside o campo de batalha entre forças desiguais: de um lado, grupos sociais e classes profissionais humilhadas e empobrecidas; do outro, uma oligarquia na qual participam os dirigentes dos partidos do arco da governação, de direita e de esquerda, os grandes gestores, os banqueiros e comunidade financeira, os dirigentes dos media.

Os opositores da oligarquia são de longe a maioria mas estão completamente divididos e dispersos. Existem candidaturas independentes às autárquicas: existem movimentos cívicos embrionários da sociedade civil; existem quadros descontentes nos partidos do arco do poder; o Bloco de Esquerda quer ser o socialismo revolucionário e mobiliza parte do protesto social mas ignora a reação patriótica e não se liberta do sectarismo. A Direita republicana não parece ter expressão eleitoral, escondendo-se atrás do CDS-PP. Os monárquicos representam uma atitude com grande expressão transversal na população mas não têm um programa político. Muitas personalidades manifestam-se em manifestos que duram o tempo das rosas. O sindicalismo de resistência (CGTP, UGT), ainda é credível para orientar o protesto social, mas tem um estilo de reivindicações irrealistas. Os diferentes grupos e personagens da oligarquia aproveitam bem a heterogeneidade destes seus adversários. Uma "aliança democrática da sociedade civil" será imperativa. Levá-la avante é oferecer uma perspetiva política. Apesar das dificuldades, não deve haver hesitações. Mas os prazos são incertos.

quarta-feira, 6 de março de 2013

OS DONOS DO BEM: um artigo de Jorge Marques.

 

por Jorge Marques (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

 

 

Interroguei-me muito este fim-de-semana ao ler algumas crónicas dos nossos melhores jornalistas e que considero são também bons pensadores.

E essas interrogações têm tudo a ver com o resultado das eleições italianas e com a diabolização do personagem Grillo; tem a ver com a manifestação inorgânica do 2 de Março, pura contestação e sem propostas concretas; tem ainda a ver com os riscos de ruptura do sistema político conhecido e a possibilidade de se entrar na maior confusão ou num beco sem saída?
 
Ao ler as várias crónicas, veio-me à memória uma das grandes lições de vida que me aconteceu na cidade de Salvador da Baía, primeiro pela mão de Jorge Amado e depois pelo meu próprio pé. De que se trata?

Existem na espiritualidade baiana um conjunto de entidades de origem africana e trazidas pelos escravos a que chamam Orixás. A Igreja Católica soube aproveitar essas figuras e através de um sincretismo religioso, associou-as a alguns nomes de santos, a Jesus Cristo e ao Diabo.

Entre essas entidades vou destacar duas delas, uma que tem o nome de Oxalá e representa o princípio da criação do mundo, a outra que é Exú e representa a transformação e a recriação desse mesmo mundo. Diz-se que Oxalá criou apenas, mas errou ao pensar que isso era bastante, que tudo havia de continuar assim mesmo, estático. De Exú diz-se que introduziu movimento, mudança, organizou o caos, deu sentido à desordem.

Quando a Igreja Católica fez o sincretismo destas duas figuras e dos respectivos significados, fez de Jesus Cristo o Oxalá e do Diabo fez o Exú, marcando assim e para que não ficassem dúvidas, a tradicional dualidade entre o Bem e o Mal.
 
Quer isto dizer, neste caso, que a construção do Bem e do Mal teve simplesmente a ver com a ideia de que há um criador que quer conservar a sua obra e isso é o Bem e o outro que quer dar dinâmica e mudança a essa criação e isso é o Mal. Neste jogo cruzado de interesses, os Senhores do Bem regularam sobre o que era o Bem e o Mal, ao ponto de considerarem que a escravatura, porque tinha a protecção da lei era parte desse bem e o combate da escravatura, personalizado em Exú/Diabo, ficava do lado do mal. Mas Exú não se ficou por aqui, teve a ousadia de questionar os rituais, afirmando que eles pouco valiam por si próprios, só valiam quando tinham verdadeiro significado.

Por tudo isto, percebe-se que Exú tenha ficado associado ao Mal, mas apenas porque discricionariamente uns senhores, por acaso aqueles que detinham o poder, decidiram o que era o Bem e o Mal.

Parece que se está a passar o mesmo nesta nossa ordem legalmente estabelecida e no nosso sistema de democracia representativa. Há uns senhores que a dominam e dela beneficiam e por isso decidiram catalogá-la como o Bem a conservar e diabolizam tudo o que se lhe opõe, tudo o que altere essa ordem estabelecida. Decidiram ainda que todas as forças que querem movimento, mudanças com significado, a verdade dos rituais, a transgressão à ordem estática, esses são as Forças do Mal. Também aqui o Bem se julga a si próprio e de forma arrogante entende que não precisa justificar-se, mesmo quando age mal e perde todo o significado real. É verdadeiramente paradoxal, mas parece-me que o Bem nos está a fazer muito Mal.

No entanto na filosofia baiana, na mais genuína, este problema esteve sempre resolvido, porque segundo eles o Mal não se opõe ao Bem, nada se opõe a nada, tudo se complementa. Criação e dinâmicas de mudança são por isso dois complementos, acabar uma coisa e começar outra também, a própria ciência nos diz que o caos gera sempre uma nova ordem.

No entanto nestas nossas cabeças judaico-cristãs, este acto de complementar não tem espaço, temos sempre presente essa luta entre os Bons e os Maus. Mas o que se está a passar é que começamos a ter dúvidas sobre o que é uma coisa e a outra e quando se instala a dúvida, iniciamos a procura de respostas por nós próprios, pensamos com a nossa própria cabeça. Começa aqui um período de grandes e criativas mudanças e de muita acção...

sexta-feira, 1 de março de 2013

INGOVERNABILIDADE E SISTEMA POLÍTICO: um artigo de Jorge Marques.


por Jorge Marques (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

 

 

Nos últimos títulos dos media e a propósito das eleições italianas, duas palavras mereceram especial destaque e foram a instabilidade política, mas sobretudo a ingovernabilidade.

De repente o exercício do voto, que é o pouco que nos resta da democracia torna-se incómodo e os eleitores parecem não estar de acordo com a tutela do sistema político. E quando o povo vota contra o poder instituído, ele não sabe o que fazer e entra em crise, em instabilidade, em ingovernabilidade, quando seria muito mais fácil ouvir atentamente o povo e agir em conformidade com a nova realidade. Foi para evitar isso também que matámos os referendos antes do tempo.

Ficamos com a ideia, pensando bem, que os nossos democratas consideram que estabilidade política é quando há maiorias formais e os governos assumem a atitude do quero, posso e mando e não deixam margem para o pensamento alternativo. Ficamos por vezes com a ideia que algumas das nossas gratas figuras da democracia, logo que eleitas e no poder, desejariam ser simplesmente ditadores, era certamente mais fácil para eles.

Considerandos à parte, convém lembrar que ingovernabilidade não tem nada a ver com os jogos formais ou florais dos salões das democracias, nada tem a ver com os falsos consensos, coligações anti natura ou simples acordos de interesses. Quando um sistema se torna ingovernável, isso quer dizer que ficou dissonante com a sua realidade, porque governar tem a ver com uma realidade concreta de que não se pode fugir e muito menos alienar.

A verdadeira ingovernabilidade reside hoje, entre outras coisas, num Sistema Política caduco e tem as seguintes consequências:

  • Ser impossível tomar decisões soberanas;
  • Não se saber garantir o bem comum;
  • Não existirem recursos suficientes e ao mesmo tempo existiram enormes desperdícios;
  • Terem os governos perdido a centralidade;
  • Não ser possível aos governos assumir as suas responsabilidades gerais por terem já pouco poder;
  • Serem deficientes as estruturas hierárquicas e a capacidade dos governos, que deixaram de estar á altura dos diálogos permanentes e necessários com os sistemas social, económico, científico, tecnológico, meios de comunicação e até mesmo com o próprio sistema político.

Foi este aumento de complexidade e a incapacidade de lhe fazer face, que esgotaram este sistema político e não o excesso de política, como se quer fazer parecer. O que está em causa é a necessidade de uma profunda Reforma do Sistema Político, mas para isso os agentes políticos tem que reconhecer com grande abertura os seus erros e que a sociedade está mais fragmentada, em vez de responsabilizarem e penalizarem os eleitores e cidadãos como se fossem seus inimigos.

A ingovernabilidade ocorre quando os governantes, face a uma incapacidade natural de controlar todas as variáveis, optam pela ideia de menos Estado e nenhuma política e se entregam nos meandros dos sistemas financeiros e dos seus mercados. A resposta adequada deveria ser a de menos Estado e mais política, porque só a partir daqui se pode pensar a tal Reforma do Estado, o que significa novas missões e novas tarefas. O que se está a fazer e provoca ainda mais ingovernabilidade é pretender fazer uma Reforma Política e uma Reforma do Estado com a lei e com a linguagem dos mercados financeiros.

Quando olho para a nossa ingovernabilidade, lembro-me sempre do efeito de Pirandello! Na história, como na vida, há momentos em que faltam as pessoas certas e noutros momentos faltam as condições, mesmo que as pessoas existam. Isto é, falta sempre qualquer coisa!

Entre nós e por triste coincidência, parece que sofremos dos dois males, faltam-nos de momento as pessoas e as condições. Mas se relativamente às condições a solução não está toda nas nossas mãos, o mesmo já não se passa quanto às pessoas certas, pelo contrário, é nosso dever e prioridade procurá-las, porque elas existem e serão capazes de enfrentar esta situação e torná-la melhor. Procurar a governabilidade, como primeiro passo, passa sobretudo por aqui…