terça-feira, 18 de setembro de 2012

TRÊS REFEIÇÕES POR DIA: um artigo de José Eduardo Garcia Leandro.


por José Eduardo Garcia Leandro (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).


 
Depois da implosão da URSS em 1991, o período conturbado que se viveu nos seus antigos territórios foi muito grave, levando a que grandes cientistas tivessem necessidade de sair da nova Rússia para sobreviver. Nesses anos, o LNETI, dirigido pelo Prof. Carvalho Rodrigues, também procurou trazer alguns deles para Portugal. Depois do acerto de vontades, foi-lhes enviado um contrato para assinatura; ocorreu, nalguns casos, que havendo concordância no contrato, foi pedido ao LNETI que juntasse nova cláusula: “Ter direito a três refeições diárias”. Trágico!
 
Que significado tem isto?

Significa que todas as sociedades têm um ponto de rotura, o que também pode ocorrer em Portugal. A Rússia demorou 10 anos para estabilizar e mais 10 no longo caminho de regresso a grande potência, mas tem uma enorme massa crítica de espaço, reservas de energia e minérios, produção agrícola, etc., o que aqui não acontece.

Mas há algumas semelhanças. Ainda nos anos 50 do século passado tínhamos pessoas que não tinham três refeições diárias e estamos a voltar a tal situação e também o facto de licenciados bem preparados serem obrigados a emigrar para conseguirem emprego, o que é incentivado pelo Governo.

Está fora de causa a necesidade de termos as contas certas e avançar com as reformas de há muito atrasadas. Nisso o Primeiro Ministro tem razão e o povo português tem mostrado toda a compreensão.

Mas têm de existir equilíbrios e actuação simultânea em várias áreas como:

  • Capacidade para recuperar o sistema produtivo;
  • Capacidade para atraír novos investimentos e criar mais empregos;
  • Voltar a uma exploração moderna do mar;
  • Reformar o Sistema Judicial;
 
Apenas quatro casos cuja concretização é muito demorada, fugindo a falar na situação demográfica e na importação de combustíveis e de bens alimentares, praticamente sem solução.

O Governo conhece melhor do que eu a situação e a sua gravidade, mas tem áreas onde pode actuar:

  • Conhecer bem a situação internacional (prospectiva e cenários alternativos) para além da União Europeia e actuar rapidamente sobre alvos de interesse, o que tem sido feito, nalguns casos, com êxito;
  • Ter no Executivo gente respeitada; se assim não fôr o fallhanço e o ridículo são inevitáveis; há Ministérios onde os responsáveis não têm conceitos e não percebem o que devem fazer e há alguém que já perdeu toda a credibilidade para poder impor quaisquer medidas;
  • Actuar com equidade na fiscalidade, o que não tem acontecido;
  • Os ainda muito ricos podem ajudar a evitar a situação da falta de três refeições diárias, o que está a ser feito um pouco por todo o mundo; Mas a situação é tão difícil que Portugal pode desaparecer com autonomia e influência neste novo mundo em que tudo está a mudar e a um ritmo sem precedentes; ainda podem vir dias piores.

Para que ultrapassemos esta crise é indispensável que o Acordo com a Troika seja renegociado, melhor sendo que fosse por iniciativa desta. Neste reduzido espaço não posso ir mais longe, mas fica o alerta. Podemos ter as contas certas num Pais sem gente, sem emprego e com fome. E tudo podia ter sido evitado; fica apenas como paradigma do disparate as obras em 10 estádios de futebol para o Euro 2004. E a lista é quase interminável!

Lisboa, 22 de Agosto de 2012.

sábado, 8 de setembro de 2012

IDADE DAS TREVAS: um artigo de Jorge Marques.


por Jorge Marques (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).


 
O termo “Idade das Trevas” não fui eu que o inventei para este contexto, foi Paul Krugman, o Nobel, quando confessava no seu mais recente livro saído em Julho de 2012:
 
«Há uns três anos, quando me apercebi de como a profissão de economista estava a falhar no seu momento de verdade, inventei a expressão “ Idade das Trevas da Economia”.»

O seu apelo neste livro é de que acabem com isto, e isto é a depressão, que não faz sentido, não tem justificação e que causa tanta destruição e dor em tantas vidas. Para ele, a solução para a crise é fácil e mais rápida do que se pode imaginar, excepto para aqueles que estudaram e só sabem o funcionamento das economias deprimidas…e respectivas soluções.

Diz ele ainda, virem as costas à austeridade, a máxima de Keynes era que a austeridade é para ser feita em tempo de fartura e não de recessão.

Voltem-se para a criação de emprego, para a defesa daquilo em que acreditam, tentem o compromisso, mas sem comprometer a verdade.

O que é que impede a recuperação? A falta de lucidez intelectual e de vontade política…

Percebemos todos que o nosso médico, chamado Troika, falhou no diagnóstico e na terapia, pela simples razão de que faz parte daquele grupo que só estuda e sabe o funcionamento das economias deprimidas, daquele grupo que só lê os livros antigos e que entendem que a missão da economia é manter os pobres cada vez mais pobres. Fizeram da economia não mais que um sistema de crenças, uma espécie de religião onde os objectivos são a Ordem e a Omnipotência. E o deus desta religião é um deus violento que considera as crises como pecados e por isso é preciso castigar esta gente! Onde é que já ouvimos falar assim?

Estamos entregues a esta fúria punitiva e nada disto teria que ser assim! E estamos nesta situação, ainda mais agravada, porque deixámos de ter um Presidente faz muito tempo, deixámos também agora de ter um Governo e a nossa pobre democracia não configura soluções urgentes para este vazio.

E neste vazio, a que se junta a ausência de vozes sábias da economia, que em vez de explicarem o que se passou, deviam estar a dizer o que é preciso fazer, que deviam estar a fazer-se ouvir e respeitar, que deviam impedir o fracasso popular e social e gritar… Parem com isso, o cidadão precisa perceber com simplicidade como funciona o sistema!

Mas até nessa impossibilidade, não podemos desistir e como diz Krugman, mais uma vez, isso compete a todos os que podem fazer a diferença, compete-lhes lutar por todos estes silêncios, pôr fim a estes abusos e lutar por novas políticas.

É a hora da Sociedade Civil resgatar o país dos abusos cometidos pela classe política ao longo de tantos anos, é injusta esta situação de serem sempre os trabalhadores por conta de outrem a pagar toda a factura!

Este é um verdadeiro ataque ao valor do próprio Trabalho, enquanto fonte de rendimento, de dignidade e de realização. Não é justo e não se vislumbra aqui qualquer equidade!

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

O CANALIZADOR DE PORTUGAL: um artigo de Jorge Marques.


por Jorge Marques (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).


 
Woody Allen, numa das suas tiradas inteligentes dizia um dia: “Não é só Deus que não existe! Experimentem encontrar um canalizador em Nova Iorque ao fim de semana...”.

Vem isto a propósito das recentes notícias sobre o Projecto-Piloto do Ministério da Educação, onde se diz que os maus alunos vão ser obrigados a integrar cursos profissionais ou vocacionais. Não sei o que é que a obrigatoriedade tem a ver com vocação...

Não está em causa o mérito ou demérito da medida, mas a forma em como tudo isto é apresentado e que revela à partida a pouca ou nenhuma consideração pelo valor destas profissões. A triste ideia de que ter esse tipo de profissões é um castigo imposto pela sociedade através do Ministério da Educação?

Num mundo, onde se percebe que os caminhos do futuro do trabalho não são mais os do saber muito de nada, as chamadas competências generalistas superficiais, mas as especializações em série, o conhecimento profundo que cria valor, parece que encontrámos a melhor forma de comunicar isto, dizendo que esse futuro deve ser construído obrigando os piores a seguir essa via; num mundo onde os maiores especialistas na matéria nos dizem que no futuro do trabalho, de todas as profissões, temos que voltar a pensar como artífices, temos que voltar à ideia medieval do aperfeiçoamento das Artes e Ofícios, à virtude da prática repetida onde se trabalha a competência e o conhecimento observando, praticando e depois inovando; num mundo em que o futuro do trabalho nos manda ir cada vez mais fundo e mais longe e que isso significa gostar muito do que se faz, ter vocação e propósito, encontrar significado no trabalho e desenvolver uma nova ética social; neste mundo que pensa o futuro, o que estamos nós a fazer:
 
  • as profissões manuais são para os piores, são um castigo da sociedade;
  • ter vocação é ser obrigado;
  • as profissões manuais são, em si mesmas, um trabalho menor feito para os que não precisam pensar;
 
regressamos assim ao pior do pensamento da Revolução Industrial onde se dizia que uns estão pagos para pensar e os outros para executar; regressamos assim ao pensamento de Salazar, que espalhou pelos corredores das escolas várias das suas frases célebres, uma das quais era: “Se soubesses o que custa mandar, preferias obedecer toda a vida”.
 
Mas com tanta crítica, o que faria eu?

Exactamente o contrário! Dignificaria à partida essa via de ensino e de profissão; abria-a a todos, mas procuraria captar os melhores, os que tivessem vocação; faria campanhas de marketing de todo o tipo e até daquelas que os brasileiros usam nas novelas quando querem dignificar e seduzir os jovens para várias profissões; mostraria as pessoas bem sucedidas dessas profissões ou que começaram com essas profissões; faria com que fôssemos bons nisso, os melhores, porque hoje não se pode ser outra coisa.

E iria lembrar-me, sempre que olhasse para essas catedrais da Europa que me fascinam, que elas foram o resultado de grandes escolas de Artes e Ofícios, que por acaso eram pequenas oficinas; de profissões e de gente que gostava muito daquilo que fazia; de gente que sabia que não trabalhava apenas uma pedra, mas que essa pedra era parte de uma grande catedral…de gente que pensava e que eram os melhores do seu tempo.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

TRABALHAR A PARTIR DE CASA, UM NOVO CONCEITO DE TRABALHO: um artigo de Rui Martins.


por Rui Martins (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

 


Nos EUA, atualmente, mais de 10% da força laboral trabalha a partir de casa pelo menos uma vez por semana e 4.3% trabalha mesmo mais tempo a partir de casa do que do escritório. E estes são precisamente os trabalhadores mais produtivos das empresas, conforme demonstra um estudo recente da Universidade de Stanford.

Mas mesmo nos EUA, um dos países do mundo onde essa prática está mais disseminada, existe algum ceticismo e ideias feitas sobre esta forma de trabalho, havendo uma multiplicidade de políticas empresariais, frequentemente dissonantes. Por exemplo, algumas companhias de aviação, como a JetBlue, colocam todo o seu Call Center em casa, enquanto outras utilizam mecanismos mais convencionais, ora fazendo outsourcing, ora colocando o Call Center inhouse.

Um dos estudos mais interessantes sobre as vantagens de trabalhar a partir de casa foi conduzido recentemente pela grande agência de viagens chinesa Ctrip, baseada em Shangai e tendo mais de 13 mil colaboradores. A empresa estava a enfrentar problemas decorrentes do aumento explosivo dos custos com espaço de escritório na China e com uma elevada taxa de atrição. Assim, lançou um projeto piloto que reuniu 255 trabalhadores que cumpriam um certo número de requisitos (voluntários, estarem na empresa há pelo menos seis meses, terem acesso de banda larga e uma sala que podiam reservar para a atividade de trabalho). Depois, dividiram esses voluntários em dois grupos: os que tivessem nascido em dias pares trabalhavam a partir de casa quatro em cada cinco dias e os restantes ficavam no escritório. Ambos os grupos mantinham os mesmos supervisores (que ficavam todos no escritório) e trabalhavam nos mesmos horários, por forma a simplificar todas as comparações. Após nove meses, a Ctrip observou que se tinha registado um aumento de produtividade de 12% naqueles que estavam em casa, comparados com os que permaneciam no escritório. Deste aumento, 8.5% resultava de um aumento do número de horas trabalhadas (devido a menos pausas e faltas por doença) e 3.5% do aumento bruto de performance medida ao minuto (possivelmente porque estes trabalhadores operavam em condições mais propícias à sua concentração). Nenhum elemento negativo foi observado, nem mesmo no que concerne à comunicação interna. Registou-se uma redução de 50% da taxa de atrição neste grupo e o seu nível de satisfação aumentou. Quando o estudo terminou, nove meses depois, a Ctrip decidiu estender este grupo "trabalhar-a-partir-de-casa" e várias centenas aderiram, cumprindo sempre as mesmas condições inicialmente delineadas. Observou-se então que os empregados mais produtivos tendiam a pedir para trabalharem a partir de casa, enquanto que os menos preferiam ficar no escritório...

Este estudo abordou um tipo de trabalho muito especifico (o dos Call Centers), onde é relativamente fácil medir produtividades, mas os conceitos aplicam-se a muitas outras profissões e atividades, assim como as vantagens do que concerne a espaço de escritório, custos de transporte em tempo e dinheiro, motivação e produtividade. Não existe nenhuma razão pela qual uma organização pública ou privada não esteja hoje, pelo menos, a estudar a aplicação desta metodologia nos seus métodos de trabalho.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

PROPOSTA EMPRESARIAL PARA UM "MÊS LIVRE": um artigo de Rui Martins.


por Rui Martins (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).



E se as empresas reservassem o mês de Junho para que cada colaborador trabalhasse livremente num projeto seu, livre de coordenações, chefias ou limitações, dentro da sua área de negócio e com um orçamento limitado mas razoável? Todo o fluxo normal e anualmente programado de trabalho seria desenhado por forma a deixar este mês de Junho livre e aberto para que todos o pudessem usar para explorarem as suas próprias ideias.

Os colaboradores, em Junho, teriam liberdade para trabalharem nesses projetos de forma individual ou juntando-se a outros que julgassem importantes para o seu sucesso. O objetivo seria dar aos colaboradores formas de melhorar os produtos existentes ou de lançarem um novo produto, um novo modelo de negócio ou algo de completamente diferente. Julho seria o mês em que cada um destes empreendedores apresentaria o resultado do seu esforço a toda a equipa, reservando-se para tal um dia específico.

O método aumentaria de forma dramática a criatividade das equipas, com um bom elemento de divertimento e boa moral, permitindo aumentar os níveis de produtividade, já que cada um estaria essencialmente trabalhando no seu próprio projeto.

domingo, 2 de setembro de 2012

VANTAGENS COMPETITIVAS DE PORTUGAL - O RELATÓRIO PORTER REVISITADO 20 ANOS DEPOIS: um artigo de Maria Perpétua Rocha.


por Maria Perpétua Rocha (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

 

 

Que desperdício!

O que falhou? Porquê? Quanto custou? Quanto custa? Quanto vai custar? Quem foram os responsáveis?

Quando o País, todo o País, devia estar, tal como há vinte anos atrás, centrado nas vantagens competitivas de Portugal e no relançar da economia, esgota-se o governo numa proposta de legitimidade duvidosa, eventualmente deletéria para o exercício da cidadania e de contornos poucos claros: a concessão do Serviço Público RTP e, certamente o que aí virá, o da RDP. Isto, e porque passaram vinte anos sobre a iniciativa que culminou com o Relatório Porter, levaram-me a escrever estas notas.

Há vinte anos, trabalhava eu no sector industrial, tinha regressado a Portugal depois de um período de actividade nos Estados Unidos da América, e este era um tema que me interessou de imediato e que acompanhei de perto.

Estávamos no início da década de noventa, era Primeiro-Ministro Aníbal Cavaco Silva e o tema “Vantagens Competitivas para Portugal” era dominante no mundo empresarial e nos media e, obviamente, no discurso político.

Era considerável a mobilização e o interesse perante o trabalho gerido pela Monitor Company sob a Direcção de Michael Porter, que envolvia várias empresas e instituições públicas portuguesas, empresários, gestores e técnicos qualificados.

O objectivo principal era o de contribuir para o desenvolvimento da competitividade da economia portuguesa. O objectivo seria atingido através de duas estratégias, duas linhas de acção que o grupo de trabalho levaria a cabo. Numa primeira fase, a análise da competitividade das empresas portuguesas e suas fragilidades na antecipação de contextos macroeconómicos e, por outro, a elaboração de um conjunto de recomendações, onze iniciativas, consideradas acções fulcrais para a mudança do País.

Era sobretudo a proposta do conjunto das onze iniciativas de acção que gerava maior entusiasmo. Foram elas agrupadas em agricultura (o vinho), serviços (o turismo), indústria (produtos de madeira, calçado, malhas e automóvel) e políticas públicas (educação, financiamento, gestão florestal, capacidades de gestão e ciência e tecnologia).

Relendo as recomendações, vinte anos depois, algumas continuam a apresentar actualidade e outras são de tal evidência que importa perguntar porque não foram implementadas?

No caso do cluster do vinho, pese embora o incremento da qualidade e o aumento do índice de exportações, certamente que estamos longe de preencher o potencial que o mesmo pode representar para o País, pelo que continua a ser pertinente perguntar qual o nível e tipo de apoios institucionais ou, por exemplo, no campo das Cooperativas, qual o seu papel, a que custo o cumprem, que grau de cooperação estabeleceram entre si e, ao fazê-lo, que racionalização de meios se conseguiu?

Uma das recomendações para melhorar e expandir a imagem dos vinhos portugueses era a de uma forte aposta no turismo vinícola, aspecto que facilmente potenciaria não só a imagem do vinho português como representaria um nicho de mercado a incluir na estratégia de um dos outros clusters identificados, o do turismo. Que investimento, que apoios foram disponibilizados para este sector? Qual o retorno real versus o expectável?

No cluster do Turismo, e reportando-nos ao caso estudado, o do incremento do turismo na Costa de Lisboa, passaram vinte anos e apenas este ano começamos a ver publicitadas algumas das características da cidade que então foram consideradas distintivas e uma mais valia única do ponto de vista de marketing turístico.

O ignorar das recomendações não só levou a um atraso injustificável como condicionou um compromisso dificilmente reversível de algumas destas oportunidades.

Assim, foi permitida, nas zonas periféricas de Lisboa, uma construção desordenada, densa, de baixa qualidade, com uma ausência completa de respeito pelo factor ambiental e pelo enquadramento paisagístico, tudo isto associado ainda a uma ausência de planeamento e protecção em muitos pontos da orla costeira e a um descurar da rede viária de acesso a Lisboa, que condiciona, vinte anos depois, uma pior qualidade do ambiente, igualando Lisboa a algumas das cidades mais poluídas da Europa.

Todos estes aspectos, ao não terem sido cuidados, não permitiram a valorização plena do potencial económico, em função da sua localização, clima ameno e seco, relação com o rio, herança cultural reflectida nos monumentos (alguns continuam a carecer de intervenção urgente) e, sobretudo, o carácter do povo e as tradições populares, de Lisboa e da sua Costa, enquanto vocação turística de excelência.

Em 1992, os clusters da madeira e da floresta foram considerados essenciais para Portugal. A equipa de trabalho considerou que, apesar das fragilidades resultantes da disponibilidade e qualidade da madeira, Portugal estaria bem posicionado para aumentar riqueza através da exploração florestal devido às características do solo e clima. Foi considerado que o pinho seria a madeira mais competitiva e adequada para Portugal, sendo que seria fundamental para maximização desta riqueza impulsionar a indústria de serração.

Foi igualmente identificado um conjunto de outras acções possíveis, das quais destaco, pelo que representariam para a própria floresta e sua limpeza, a criação de subprodutos a partir de desbastes da floresta ou do reciclar de produtos de madeira.

Importa de novo perguntar: o que levou a ignorar as acções recomendadas no sector da madeira e nos manteve concentrados na produção de produtos de baixo valor?

No caso da floresta, identificava-se como uma das fragilidades a ausência de princípios orientadores que pudessem ser utilizados de forma conveniente pelas autoridades locais.

Recomendações sobre a selecção adequada de espécies e preparação dos solos, incentivar o associativismo entre os produtores de floresta: vinte anos depois, o que foi feito a nível de legislação, formação, investimento, coordenação, rentabilização?

Qual o contributo actual da floresta relativamente ao PIB ou às exportações, quando comparado com 1992?

Em que medida é que a floresta contribuiu para a redução da desertificação, fixação de populações e para a geração de riqueza local?

Importa igualmente perguntar em que medida é que a não implementação das políticas sugeridas é responsável pelo flagelo dos incêndios que, ano após ano, devastam o território, consumindo recursos, destruindo bens e pessoas, ameaçando o ecossistema, agravando a desertificação, criando paisagens desoladoras em locais anteriormente apetecíveis como desígnios turísticos.

As pequenas e médias empresas (PMEs), em 1992, foram consideradas, tal como agora, uma base fundamental para a economia portuguesa, no entanto a sua competitividade estava parcialmente comprometida pelos mecanismos de financiamento.

As taxas de juro reais nominais dos créditos bancários às empresas eram das mais elevadas, comparativamente a outros países europeus, asfixiando qualquer iniciativa de abordagem comercial agressiva aos mercados externos ou investimento em investigação e desenvolvimento tecnológico.

Na sequência da análise, foram propostas medidas que abrangiam as instituições financeiras, as políticas públicas, nomeadamente o desenvolvimento de análises comparativas com políticas fiscais em áreas semelhantes a Portugal, a reestruturação financeira das PMEs como, por exemplo, formação para que melhorassem a sua gestão financeira e controlo contabilístico; os mercados de capitais com, por exemplo, a promoção de reformas fiscais tais como a redução de impostos sobre os rendimentos pessoais aplicados nos capitais próprios das empresas.

Em 2012 e face às políticas em curso, maioritariamente contrárias ao recomendado, assistimos diariamente à falência de PMEs, arrastando consigo o emprego, levando à falência rápida da economia, ao desespero e à desmoralização social, numa subjugação, limitada e limitante, da economia e da criatividade a uma necessidade contabilística imposta e ela mesmo resultante de uma gestão inconsequente, redutora, vazia de estratégia e de sentido de interesse nacional que se tem perpetuado ao longo dos últimos 30 anos.

No caso da educação, entre outras, foi identificada a necessidade de manter o nível de motivação dos professores, bem como o de estimular a progressão na carreira associada a uma qualificação profissional de excelência.

Vinte anos depois, importa perguntar que políticas desenvolveram os sucessivos Ministérios da Educação de forma a ultrapassar as fragilidades diagnosticadas de forma a valorizar estes agentes essenciais da mudança e catalisadores primeiros da competitividade?

Foi igualmente identificada, como essencial para a competitividade futura de Portugal, o desenvolvimento de um ensino profissional, que envolvesse as Empresas.

A estas seriam oferecidas contrapartidas financeiras para, conjuntamente com as Instituições de Formação Profissional, participarem na organização e implementação de cursos profissionais. O Governo deveria igualmente assumir, em parceria com a Indústria, a responsabilidade pela definição e monitorização dos curricula e padrões requeridos.

No entanto, os fundos comunitários para formação foram investidos sem qualquer planeamento estratégico e com a total ausência de participação das Empresas ou das suas associações.

Vinte anos depois e perante o cenário de definhamento em que nos encontramos importa perguntar:

O Que falhou e porquê?

Num País em que Comissões e Grupos de Trabalho ficam frequentemente pelo histórico e pela análise dos factos, o que falhou na implementação das medidas que o Relatório Porter objectivamente propunha?

Porque é que, após a sua publicação, o Relatório foi esquecido?

Porque é que, igualmente, medidas preconizadas por outros, como Ernâni Lopes, não foram incorporadas numa visão estratégica para Portugal e, posteriormente, traduzidas em acções estratégicas mensuráveis, visíveis e publicitadas em função de resultados e não de meras intenções?

Porque é que um estudo encomendado pelo Governo, com ampla participação de empresas e cidadãos de reconhecido mérito, conduzido por um perito de reconhecida competência internacional, foi “apagado/ignorado” após a apresentação?

Que interesses afectava?

Ou estamos apenas perante mais um caso de lascismo, omissão, ineficácia, irresponsabilidade?

Quanto custou? Quanto custa? Quanto custará?

Certamente que seria interessante saber quanto custou o estudo realizado pela Monitor Company ou mesmo os custos associados ao envolvimento dos recursos humanos e técnicos empenhados durante uma ano na sua elaboração.

Mas não é isso que nos preocupa vinte anos depois!

As perguntas são:

Quanto custa e custará a Portugal o delapidar destes potenciais geradores das suas vantagens competitivas?

Quanto custa e custará a Portugal o não aproveitamento, e mesmo a destruição, dos seus recursos estratégicos, durante os últimos vinte anos, como facilmente veremos se nos dermos ao trabalho de consultar este e outros estudos?

Quem são os responsáveis?

Certamente não é o destino!

Existem, desde logo, os vários Primeiros-Ministros, responsáveis pelos Governos que escolheram e pelos Programas com que se apresentaram às eleições, a começar por aquele que estava em funções à data da apresentação do Relatório.

Os Deputados que, ao longo de anos, nas diferentes Comissões deveriam ter as competências técnicas, a independência, o sentido ético do serviço da Res Publica e pugnar pelos interesses dos cidadãos que representam.

Certamente que a análise deste estudo deveria ter sido objecto de acções consultivas por parte dessas mesmas Comissões. Será que foi?

Os Presidentes da República que não podem assistir de forma distante, escudados na limitação dos seus poderes, ao desbaratar de um País, sob risco de esvaziar a sua autoridade enquanto Supremos Magistrados da Nação.

Por último, e não menos importante, nós Cidadãos, que nos acomodamos no embalar de que a democracia existiria e cresceria sem que para isso tivéssemos que fazer um esforço, que a entregámos a partidos políticos cada vez mais centrados nos seus próprios interesses, que preferimos a política do facilitismo ao rigor e à ética, que deixamos de fazer ouvir a nossa voz individual ou colectiva na aprovação ou discordância das grandes questões nacionais.

Nós Cidadãos fomos, somos e seremos co-responsáveis pela situação portuguesa.

A mudança não acontecerá se não adoptarmos e impusermos uma política de rigor, de transparência, de trabalho, de respeito, de responsabilidade.

Se não o fizermos, situações como o Relatório Porter continuarão a acontecer ou, por exemplo, estaremos a legitimar que o destino de um Serviço Público se trace à revelia dos interesses de Portugal e dos Portugueses, como está acontecer!

sábado, 1 de setembro de 2012

SOBRE A RTP · NÓS CIDADÃOS NÃO DELEGAMOS NO GOVERNO A DECISÃO: um artigo de Jorge Marques.


por Jorge Marques (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).



Em linhas simplificadas, a teoria X é assim uma espécie de “é assim porque eu quero”, enquanto que a teoria Y é um toque no ombro e um sussurro ao ouvido “é assim porque é para teu bem”!

As duas teorias são coisas antigas, do passado, e foram consideradas pouco adequadas e aconselháveis, as pessoas já não iam nem numa coisa nem na outra, queriam saber o porque sim e o porque não. Confundiam-se com autoritarismo e manipulação.

E tinham razão, porque depois de um investimento tão grande na educação, na democracia, nas campanhas de informação, passou a ser normal que ao tomar-se uma decisão, houvesse a preocupação de explicar e representar essa decisão em termos do futuro, bem como as suas vantagens ou riscos. Educar não é um trabalho para as estatísticas, nem para criar um rebanho de carneiros obedientes e cegos, é para fazer com que os cidadãos sejam mais exigentes consigo, com a sociedade e com os governantes.

O que se tem passado nos últimos tempos com os nossos governos e com a nossa democracia é da maior gravidade, é uma espécie de regresso ao antigamente, ao país analfabeto, onde nada se quer explicar e tudo aparentemente se funde entre o X e o Y, isto é, “é assim porque eu quero e o que eu quero é para vosso bem”!

Claro que para colocar em prática esta ideia, precisa-se de uma máquina de propaganda com ares de modernidade e isso só pode ser feito pela televisão, onde a fusão entre o X e o Y se faz com muito barulho de luzes.

É impressionante a ligeireza com que se fala de Serviço Público, como se ele fosse do Estado e o Estado fosse o Governo. O Serviço Público nem sequer é para replicar as mensagens dos partidos políticos que já dominam todos os media. O Serviço Público é a voz da Sociedade Civil e dos cidadãos que querem mais do que simplesmente votar nas eleições e ainda por cima em candidatos que nem sequer escolheram.

A discussão sobre o canal público de televisão, não é por isso uma discussão exclusiva do governo e dos partidos políticos, é uma decisão da Sociedade Civil que é o seu verdadeiro accionista e paga a factura no recibo da electricidade.

Parece-nos, que depois de se fundir o X e o Y, quer-se agora fundir Estado, Democracia, Sociedade Civil num órgão chamado Governo.

Não podemos deixar que a discussão se faça a este nível, tal como se faz a discussão sobre o desemprego e a pobreza nos canais de televisão, sempre com a opinião dos partidos políticos e seus afins, sempre com gente de botões de punho dourados e a cheirar a perfume caro. Se querem saber o que dói o desemprego ou a pobreza perguntem aos desempregados e aos pobres, levem-nos à televisão, porque também eles não delegaram em ninguém o seu sofrimento. Ao menos que incomodem o nosso jantar!

A Sociedade Civil, os cidadãos enquanto accionistas da RTP, não delegam no Governo a resolução deste problema e isso nem sequer ainda lhes foi perguntado.