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quinta-feira, 31 de outubro de 2013

ACABAR COM A INCERTEZA: tomada de posição da SEDES - Outubro de 2013.

 

A SEDES - Associação para o Desenvolvimento Económico e Social, uma das Associações fundadoras da PASC - Plataforma Activa da Sociedade Civil - que actualmente integra 37 Associações - tornou pública uma tomada de posição sobre o estado actual do país, que reproduzimos abaixo.



Introdução 


A incerteza está a minar a confiança dos portugueses, com consequências muito graves para a economia e para o bem-estar da sociedade e dos cidadãos. 

Quaisquer decisões, das mais simples, como jantar fora ou mudar de carro, até às mais complexas, como investir num projecto empresarial ou decidir ter um filho, são sistematicamente adiadas. 

Esta incerteza é insustentável, tanto do ponto de vista social como económico. 

Uma situação dramática 


A situação social e económica é dramática, como quase todos reconhecem. A crise financeira do Estado espoletou uma crise económica e social de proporções inesperadas até pelos mais pessimistas. As suas origens estão nas políticas adoptadas nos últimos 10 anos, agravadas pelo caminho seguido nos últimos anos. 

A falta de visão inicial levou a uma crise financeira do Estado apenas comparável à de 1892; a resposta à crise foi, no mínimo, desastrada, casuística e sem rumo perceptível tanto por nossa responsabilidade como das instituições europeias. 

As políticas seguidas, em particular entre 2008 e 2010, conduziram o Estado a ficar, possivelmente, a dias de cessar pagamentos. O acordo com a troika, longe de ser perfeito, evitou o pior. Mas esse acordo só era relevante para evitar essa cessação de pagamentos, o que já não era pouco. A ideia de que o Estado está falido e, como tal, tudo é aceitável é, e tem sido, um erro grave: o acordo com a troika fez-se exactamente para evitar essa falência

Entretanto, por erros de comunicação, políticas erráticas e decisões fora de tempo, criou-se uma incerteza absolutamente desnecessária e um ambiente de desconfiança em relação ao Estado de Direito incompatível com a recuperação da economia, do investimento e do emprego. 

Ninguém confia em quase nada que seja prometido pelo governo: isso é incompatível com uma saudável vivência democrática. 

A incerteza 


Qualquer decisão de investimento é precedida de um estudo de viabilidade económica. Isso implica ter uma ideia minimamente estável do IRC, do IRS, do IMI, das futuras leis do trabalho, da TSU, etc. Sem uma perspectiva razoável sobre a evolução das políticas, não é possível fazer um plano de negócio; consequentemente, não há investimento. Mas sem investimento não há crescimento nem emprego. 

O argumento do mercado interno estar deprimido não colhe, pois as empresas exportadoras têm tido um excelente desempenho e algumas estão a trabalhar em plena capacidade. Mesmo assim, o investimento não surge e não há criação de emprego. 

Todas as semanas escutamos anúncios de medidas que abrem novas frentes e criam medo e incerteza, como aconteceu recentemente com a questão das pensões de sobrevivência. Sem discutir se a política em causa é boa ou má, contesta-se sim a errância das decisões, a confusão dos conceitos, a impreparação das soluções, a intermitência dos anúncios, a contradição dos agentes (ministros, secretários de estado, consultores, oposição). 

Parece não haver uma verdadeira ideia do que se pretende conseguir com cada medida e das suas consequências. Ouvir, analisar e pensar antes de decidir e de anunciar parece trivial. Actualmente, é tudo menos isso. 

A recuperação da economia e do emprego passa, num primeiro momento, pelas exportações. Este primeiro passo foi dado, porque os empresários perceberam desde cedo que no mercado externo estava a sua sobrevivência. Sem desvalorização cambial e sem alteração da TSU os resultados na frente externa foram rápidos e surpreenderam muitos economistas (mas não todos). 

O segundo passo para a retoma económica é o crescimento do investimento que, como vimos, tarda. Sem ele não há mais emprego nem crescimento do consumo privado, que tipicamente surge num terceiro momento. 

A recuperação do investimento passa antes de mais por políticas estáveis e previsíveis. O problema não é, neste momento, a falta de financiamento ou de incentivos, mas de credibilidade e estabilidade política e das políticas. 

Episódios de crise governamental, como os do verão passado, põem a estabilidade seriamente em causa, com elevados custos para o País: não se podem repetir! 

Segurança social 


Merece particular destaque o que tem sido anunciado sobre o sistema de pensões e reformas. O parecer do FMI de há uns meses sobre a suposta reforma do Estado é particularmente enganador pois não analisa correctamente o problema, sendo sobretudo criador de ruído - fez parte do problema e não da solução; talvez por isso, já ninguém se lembre dele. 

Neste momento, o Governo descredibilizou e retirou certeza jurídica ao sistema de pensões sem proceder a qualquer reforma visível. É de salientar que a reforma de 2007 do sistema de pensões, que foi profunda, teve particular cuidado em salvaguardar o Estado de Direito, e as garantias constitucionais e a sustentabilidade do sistema. 

Qualquer pensão é um contrato entre o Estado e o Cidadão. Estamos todos conscientes de que a demografia tem colocado em particular stress o sistema, mas são precisas soluções globais e de longo prazo. O problema não se resolve com ameaças e, muito menos, descredibilizando o sistema de pensões e reformas. 

A ideia de que a geração em idade contributiva não terá pensões gera uma revolta contra o facto de se pagar hoje para nada se receber amanhã. Alimentá-la encoraja todo o tipo de fugas à contribuição, agravando o exacto problema que visava resolver. 

Escamoteia-se além disso que as pensões dos reformados de há 20 anos foram pagas pelas contribuições dos actuais reformados. E cria-se uma incerteza fundamental (mais uma!) sobre o longo prazo, gerando infelicidade, mal-estar, comportamentos anormais de aforro e de aversão ao risco acima do necessário e causadores de desemprego já hoje. 

É muito grave a destruição da confiança nos segundo e terceiro pilares da segurança social: os fundos de pensões privados, embriões do segundo pilar, e o investimento em sistemas de reforma complementares, integralmente voluntários e privados. Para essa destruição contribui, relativamente aos fundos, a sua “nacionalização”, e quanto aos programas complementares a inadmissível sujeição do seu rendimento à Contribuição Extraordinária de Solidariedade (CES). 

Argumenta-se por vezes que o sistema de pensões deve promover a redistribuição do rendimento – isso é fundamentalmente errado. A redistribuição do rendimento e a justiça social são realizadas, em primeiro lugar, pelo IRS, tributando os altos rendimentos; e em segundo lugar pela despesa pública, através do apoio às famílias mais carenciadas. O regime contributivo das pensões de reforma configura um seguro de velhice imposto (e, supostamente, garantido) pelo Estado. 

Se o sistema de pensões servir (e tem servido indevidamente) para redistribuir o rendimento, então a TSU deixa de ser uma “taxa” para ser um “imposto” especial sobre o rendimento, tornando-se necessariamente inconstitucional, tanto em Portugal como em qualquer Estado de Direito. O mesmo se passa com a CES, já objecto de “aviso” por parte do Tribunal Constitucional e passível de condenação a prazo, caso perca o seu carácter “excepcional”. 

Nesta visão em que o sistema de pensões é um contrato entre o Estado e o Cidadão (contrato, aliás, imposto unilateralmente pelo Estado), não se entende a campanha sobre uma suposta insustentabilidade do sistema, pois essa mesma exigência se poderia aplicar às PPP´s rodoviárias ou aos apoios a energias renováveis, por exemplo, que são contratos muito mais susceptíveis de serem postos em causa. A única diferença é que se o Estado alterar unilateralmente (como outros países já fizeram) as condições daqueles contratos com grandes empresas, terá provavelmente processos em tribunal de empresas fortes, apoiadas em bons advogados e com tempo para esperar. 

No caso das pensões, o Estado tem pela frente pessoas frágeis e que já não têm o tempo necessário para esperar por decisões tardias de tribunais. Mas o Estado existe, ou devia existir, para proteger os fracos em relação aos fortes, mesmo que este seja o próprio Estado. 

Neste aspecto, a Troika e o FMI não ajudaram nem perceberam que o descrédito no sistema de pensões e reformas tem consequências enormes para o desempenho da economia já hoje; causa mal estar generalizado em novos e velhos com consequências políticas e sociais muito gravosas, embora difíceis de avaliar em toda a sua extensão. Fomentar a “luta” entre gerações é uma injustiça, é perigoso e é politicamente irresponsável. 

Em conclusão, nas políticas seguidas sobre pensões o argumento meramente contabilístico ou financeiro de curto prazo, não teve em conta as consequências sociais e económicas muito negativas para muitos e muitos anos. A SEDES não nega a necessidade da reforma com vista à sustentabilidade do sistema, nega justamente a não existência de uma reforma mas de um conjunto avulso de medidas, circunstancial e ditado pela conjuntura, que mina um pilar fundamental da vida social – a confiança – agravando a insegurança. 

Consolidação orçamental e austeridade 


Face ao descalabro que as contas públicas atingiram em 2009 e 2010, ninguém imagina que a estabilização financeira poderia evitar uma drástica austeridade. Mas há várias austeridades possíveis e várias formas de fazer uma política de austeridade. 

A opção imediata deveria passar por reduzir a despesa, o que apenas agora está a ser seriamente ponderado em situação de desespero e sem rumo. Para cortar na despesa do Estado é necessário saber onde se encontra o desperdício, a redundância e o excesso de burocracia. Tal tarefa é necessariamente demorada. É exactamente por a redução da despesa levar tempo que ela deveria ter sido pensada desde o início. 

Cortes “horizontais” são pouco eficazes e podem mesmo ser prejudiciais, porque penalizam os organismos que trabalham eficientemente e não perturbam os que têm excesso de recursos. Os cortes mais eficazes são os “verticais”, mas esses exigem uma avaliação de desempenho dos organismos, das pessoas, de reavaliação de processos... Mas fazê-la repartição a repartição, instituto a instituto, leva tempo e pressupõe visão e competência políticas. Uma vez mais, deveria ter sido iniciada há anos. 

A carga fiscal, em larga medida a primeira opção adoptada por este governo, pela sua dimensão e natureza, asfixia a economia e as pessoas. E é também mais uma fonte da incerteza desnecessária que impossibilita o investimento. 

O sistema político e a reforma do Estado 


Em toda esta situação é clara a crescente necessidade de reformar o sistema político do nosso país. A insegurança que referimos é, em parte substancial, resultado da enorme distância a que os políticos e os partidos, as instituições e os agentes do sistema se encontram dos cidadãos; o fosso tem aliás aumentado de dimensão. 

Esta é uma situação profundamente preocupante, pois põe em causa os próprios alicerces da democracia. Não há democracia sem partidos políticos. 

Nesta tomada de posição, a SEDES aponta a insegurança como agente causal da degradação a que chegou o contrato social que tem regido a nossa sociedade. Inverter a situação implica repor a confiança. 

Para isso, contudo, é necessário, é indispensável e é urgente proceder a uma verdadeira reforma do sistema político. Para tal a alteração do sistema eleitoral e do financiamento dos partidos são pilares fundamentais. 

Conclusão 


O estudo apresentado pela SEDES já há um ano - O Impacto da Crise no Bem-estar dos Portugueses - ilustrou o impacto no bem-estar dos portugueses da incerteza que vivemos. Mostrou como esse mal-estar leva a comportamentos com consequências negativas para a economia e o emprego. A incerteza nas medidas de austeridade, onde cada dia parecem nascer intenções de política nunca concretizadas mas que ficam a pairar como ameaça velada, são criadoras de stress e infelicidade. 

Seja a incerteza sobre as pensões actuais e futuras, sejam as alterações bruscas de impostos, sejam as dúvidas sobre a simples data de pagamento de subsídio de férias, são inaceitáveis. A violação do Estado de Direito e a inconstitucionalidade das medidas potenciam sem necessidade essa incerteza. 

Que fazer? Em geral, todos podemos concordar com a importância do combate ao défice público como prioridade, suportado no Estado de Direito e, sobretudo, na confiança entre instituições, cidadãos e empresas. 

Mais do que a austeridade, que todos sabíamos que seria dura e prolongada, tem sido a incerteza e a violação de Estado de Direito a afundar a economia e a acarretar um nível de desemprego politicamente inaceitável, socialmente perigoso e pessoalmente injusto. 

É URGENTE REFORMAR O ESTADO, REFORMAR O SISTEMA POLÍTICO, REFORMAR A FORMA DE FAZER POLÍTICA, DE GIZAR, CONCEBER, APRESENTAR E EXECUTAR AS POLÍTICAS PÚBLICAS. É FUNDAMENTAL ACABAR DE VEZ COM A INCERTEZA DESNECESSÁRIA QUE MINA A CONFIANÇA DOS CIDADÃOS EM SI MESMOS, NA ECONOMIA E EM QUEM OS REPRESENTA E POR SI DECIDE. É VITAL REFORMAR O SISTEMA POLÍTICO E MELHORAR A DEMOCRACIA. A SEDES CONTINUA ATENTA COMO HÁ MAIS DE 40 ANOS. 


O Conselho Coordenador da SEDES 


Catarina Valença Gonçalves 
Cristina Azevedo 
Henrique Neto 
Luís Barata 
Luís Campos e Cunha (Presidente) 
Manuel Alves Monteiro 
Maria Perpétua Rocha 
Pedro Magalhães 
Paulo Sande

domingo, 4 de agosto de 2013

VERDADES E MENTIRAS DA REFORMA DO ESTADO: um artigo de Jorge Marques.


por Jorge Marques (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

 

  

Ensinaram-me desde muito cedo que na árvore de análise e decisão de qualquer problema, a primeira questão a clarificar era o problema que se queria resolver, não fosse a distracção de uns ou a má-fé de outros desviar-nos a atenção do que era verdadeiramente importante.

É estranho, por isso mesmo, que falando-se da Reforma do Estado existam tantas e tão diferentes versões quantos os agentes envolvidos nesta discussão. O Governo tem uma versão, Cavaco tem outra, cada um dos partidos a sua, os sindicatos e trabalhadores outra, as associações patronais também, as Academias a que mais lhes convém, a Troika tem a sua cábula, os comentadores televisivos têm tantas quantos os interesses que defendem e, de uma maneira geral, cada português tem a sua opinião de treinador de bancada.

Percebe-se, pelo andar da carruagem, que este é mesmo o primeiro problema a resolver, dizer exactamente o que se entende por Estado, o que se quer dele e quais as missões e organização que o vão suportar, o que é que precisamos mudar e porquê.

É que, quando falamos de Estado, estamos a falar de todos os órgãos de soberania, tais como o PR, o Governo, a Assembleia, os Tribunais e, naturalmente, da Administração Pública que suporta todos os serviços do Estado, como sejam o SNS, a Escola Pública e as Forças Armadas. Estamos a falar do exercício do poder executivo, legislativo e judicial, estamos a falar de funções políticas, económicas e sociais, estamos a falar de elementos como população, território e soberania.

No meio de todo este panorama, percebe-se a complexidade do assunto e acreditamos que com esta ainda recente, mas suficiente experiência de regime democrático, seria importante uma reforma de todo o Estado, questionando tudo desde a cabeça aos pés, ou seja, desde Presidência da República, Governo, Assembleia, Administração Pública e até o comportamento da sociedade e dos cidadãos. Percebe-se facilmente que isto é verdade porque temos consciência de que quase tudo funciona mal.

Admitindo a impossibilidade de tratar de tudo ao mesmo tempo, o que seria possível se houvesse vontade política, vejamos as prioridades e as interdependências entre as reformas nos diferentes sectores do Estado.

O essencial, e que provoca as maiores disfunções no país e em todos os outros sistemas, tem a ver com a nossa quase ingovernabilidade. As relações no sistema político são destrutivas e nisso inclui-se a acção do próprio PR. A separação entre poderes não existe e com isso bloqueia-se todo o tipo de acção e responsabilidades. Um dos problemas mais graves e que impede a nossa competitividade tem a ver com este tipo de disfunções, tem a ver com o mau funcionamento dos sistemas da justiça, da fiscalidade, da falta de eficácia da administração pública, do ensino, da saúde. É isto que precisa de reforma urgente, mas no entanto parece que tudo se resume a um problema da contabilidade dos custos com os funcionários e onde a solução é reduzir. É que se a solução for apenas a da redução de pessoas, os problemas continuarão e eventualmente até podem ser agravados, como já parece estar a acontecer. É a não reforma!

É verdade que se não nascem crianças não precisamos de tantas maternidades, se há um fosso demográfico, então existirão menos alunos a entrar nos sucessivos graus de ensino e precisaremos de menos escolas e menos professores, se as condições de vida se degradam precisamos de mais cuidados de saúde, de mais polícias, de mais tribunais, prisões, de mais creches, mais sopa dos pobres, mais subsídios de sobrevivência.

Resta saber, e essas contas continuam por fazer, o que é mais caro, se o custo de criar confiança e investir, se o custo da desconfiança e reduzir, controlar e punir.
É isto que se reforma e não os números nos quadros contabilísticos, as reduções que servem para continuar a alimentar o desperdício e os negócios escuros.

Reformar é para fazer mais, melhor e a menores custos.

Ninguém rejeita a Reforma do Estado, mas todos entendem também que são exagerados os custos e gastos do PR, dos governantes, dos deputados e dos subsídios aos partidos.

A mentira pesada começa quando se fala com leveza neste tipo de reformas, como se a sua finalidade e pressa fosse apresentar à Troika um documento das medidas a tomar ou tão só quanto se vai reduzir nos custos do Estado. É que quando existirem essas medidas, ainda que sejam as mais adequadas, estamos a falar de um princípio de reforma e não do seu fim, aí apenas começará o trabalho difícil, portanto o papel não é o objectivo.

É que esta pressa e esta inconsciência são reveladores de uma grande ignorância ou má-fé, porque se aproveitam dos vícios de culturas como as do direito onde a elaboração das leis é um fim em si mesmo, independentemente dessas leis nunca virem a ser cumpridas.

E tão mau quanto este desvio é também a cultura dos brilhantes académicos que se habituaram a produzir papéis que só alimentam vaidades e não contribuem em nada para mudar a realidade.

O País, se quer reformas de fundo, precisa de um banho de fazedores, de empreendedores, de líderes, de gente que saiba e seja capaz de fazer acontecer e não de escritórios de advogados que complicam ainda mais os sistemas ou de académicos que confundem o país com o grupo dos seus amigos.

Mentira é também esta bipolarização entre a eficácia privada e a incapacidade pública, como se não existissem bons e maus exemplos dos dois lados, como se se quisesse ignorar que uma boa parte dos serviços do Estado não pudesse ser assegurada pela sociedade organizada, por organizações da sociedade civil dotadas de competências para esse efeito e com excelentes ajudas ao nível do voluntariado.

Mas agora foi-se ainda mais longe, os interesses privados instalaram-se directamente no próprio Governo, passou-se da reforma do Estado para a cartelização do Estado.

Existiram e existem por todo o mundo boas e más experiências na reforma de estados, governos e grandes organizações. Os casos que mais falharam tiveram sempre um denominador comum, é que mesmo quando a estratégia de mudança era brilhante e tinha tudo para dar certo, essa estratégia não foi bem passada e bem integrada por aqueles que a iam executar, foi aí que tudo ou quase tudo falhou. O que se está a passar entre nós é que nem a estratégia é brilhante e todos os intervenientes foram ignorados, desprezados e alguns até violentados no mais básico dos seus direitos e da sua dignidade profissional.

Esta reforma nunca pode dar certo porque passamos de uma nobre causa que é o de cuidar do bem comum, para o negócio de mais uns quantos!

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

O ESTADO PORTUGUÊS E AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE: um artigo de Maria Perpétua Rocha, Coordenadora da PASC.

 

por Maria Perpétua Rocha (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem). 

 

 

Recentemente, recebi um convite de Medina Carreira para participar no seu programa, Olhos nos Olhos, de 1 de Julho de 2013, convite honrosos que adveio, penso, quer da minha vivência profissional alargada em Portugal e não só, enquanto médica e gestora, quer, em meu entender, sobretudo enquanto cidadã que ao longo de 30 anos tem pugnado por uma participação activa dos cidadãos na definição das grandes Políticas Públicas que definem um Estado, a sua afirmação e a sua evolução, em particular no Sector da Saúde.

O tempo disponível e, sobretudo, as características de convidado único por programa, impõem limitações naturais a um debate com uma visão enriquecedora de outros profissionais.




No entanto, enquanto cidadã e profissional, gostaria de sublinhar alguns aspectos que considero essenciais sobre as Políticas de Saúde:

  • As grandes opções em termos de Saúde e Políticas que as sirvam têm que ser enquadradas numa Visão Estratégica para o País, a curto, médio e longo prazo;
    • O debate respectivo deve ser centrado no que estas representam para o Cidadão, para os interesses do Estado e do País;
    • As identificação, adopção e execução das políticas de saúde devem ter uma ampla participação da Sociedade Civil. Não é possível fazer reformas estruturais neste sector sem ouvir os cidadãos. Importa identificar como;
    • Esta participação tem que ter em conta o papel das Associações da Sociedade Civil – de doentes, de familiares, de amigos dos Hospitais e outras - que traduzirão as necessidades, os anseios e as potencialidades a nível nacional, regional e local;
    • Importa igualmente reforçar que a Reforma do Sector da Saúde só será efectiva com a colaboração de todos os Profissionais de Saúde;

  • O Debate sobre a Saúde tem sido conservador, redutor e centrado nos custos do Sector Curativo, o que é um erro profundo em termos estratégicos para o País;
    • As opções em termos de Saúde não podem ser reactivas a políticas orçamentais restritivas de curto prazo. Se assim fôr, as consequências serão gravosas e arrastar-se-ão no tempo. A falta de Saúde dos Portugueses, de qualquer grupo etário, é muito mais cara para o País que o investimento na medicina preventiva e mesmo na curativa;
    • O debate sobre a Saúde deve posicionar-se no Conceito de Investimento. O factor humano - os Portugueses - é o maior potencial estratégico para Portugal. A grande componente do custo em Saúde resulta da doença que afecta a produtividade;
      • O verdadeiro custo é o que resulta do absentismo por doença, bem como os inerentes custos sociais e produtivos, e igualmente o impacto de um aumento de mortalidade precoce, particularmente num País em involução demográfica (e.g., mortalidade por doenças infecto-contagiosas ou cancro);

  • No momento que o País atravessa, com uma economia frágil, num cenário de desemprego que rondará os 20% antes do final do ano, com a população a envelhecer e zonas do Pais em processo de desertificação é fundamental manter e reforçar um SNS de grande qualidade, não discriminatório, que aumente a sua capacidade de resposta e tenha em conta o factor proximidade;
    • A crise actual, pela insegurança e ansiedade, está a levar a um aumento de casos de depressão, suicídio, comportamentos agressivos e aumento de comportamentos de risco;
    • A fome, a subnutrição, a toxicodependência, o alcoolismo, a prostituição, são condicionantes de patologias graves e atrasos no desenvolvimento;
    • As implicações dos custos ocultos que estes factores acarretam para a Saúde e Bem–Estar dos Portugueses e consequentemente para a Economia têm que ser contabilizados. O seu alienamento só ampliará as consequências; 
 
  • O Estado tem que assegurar a sustentabilidade de um Serviço de Prestação de Cuidados de Saúde que não seja fragilizado ou dependente de empresas privadas cujo objectivo, lícito, é o lucro. Por isso, a prestação de Cuidados de Saúde não pode ser tratada pelo Estado na perspectiva do negócio;
    • No entanto, na resposta global para a Saúde, os Parceiros Privados e o Terceiro Sector são fundamentais;
      • Os Parceiros Privados, cuja competitividade passa pela capacidade de inovar ao nível dos modelos de gestão e pela qualidade dos serviços, introduzem praticas que se forem adoptadas progressivamente pelo SNS terão impacto significativo nos custos do sector, reduzindo desde logo o desperdício (e o tema desperdício está longe de estar esgotado quer no Sector da Saúde quer nos diferentes Sectores do Estado...);
        • Apesar do ambiente recessivo do País o sector privado de prestação de serviços de saúde cresceu significativamente na última década;
        • O crescimento do sector privado veio, entre outros, mostrar a importância da adopção de modelos de gestão baseados em engenharia de processos, como instrumentos de racionalização de recursos, de promoção de qualidade e de responsabilização técnica dos diferentes actores desta “cadeia de produção”, cujo produto final é um acto médico;
        • Estas unidades têm fins lucrativos, sendo que o Estado é o seu principal financiador. O Estado tem por isso que assegurar que a qualidade dos serviços prestada está de acordo com as convenções ou parcerias assinadas. A transparência na contratualização e relacionamento entre o Estado e os operadores privados é uma área que deveria ser possível de auditar facilmente por parte dos cidadãos;
O Estado deverá ser responsabilizado nestas opções se falhar o seu papel de Auditor de Qualidade, uma vez que é ao Estado que cabe o Dever de assegurar os Direitos dos Cidadãos, em particular em matéria de Saúde;
      • Em Portugal, o contributo para a área da saúde do Terceiro Sector está muito abaixo da média europeia. Sendo constituído por ONGs sem fins lucrativos e com forte participação de voluntariado, pode ser potenciador do SNS, sobretudo nas respostas necessárias a nível regional e local. A sua inserção nas comunidades introduz desde logo o envolvimento próximo dos cidadãos nessas mesmas respostas. As Misericórdias e a Cruz Vermelha são bons exemplos do potencial deste Terceiro Sector;

  • A Medicina Preventiva tem sido o parente pobre das Políticas de Saúde em Portugal;
    • Tendo potencial imediato para o desenvolvimento de acções de baixo custo com impacto a curto, médio e longo prazo, envolvendo um conjunto de agentes – profissionais de saúde, professores, assistentes sociais, autarquias, freguesias, serviço cívico - na redução da procura da Medicina Curativa (e nos custos inerentes);
    • Uma Medicina Preventiva estruturada e eficaz apresenta a médio e longo prazo um impacto positivo na redução da morbilidade (e consequentemente no absentismo) e da mortalidade precoce;
    • A Medicina Preventiva é igualmente um instrumento de consciencialização e corresponsabilização do indivíduo e da comunidade no consumo dos bens de saúde. A análise dos modelos implementados, sobretudo nos Países nórdicos, assim o prova;
    • Os media e as novas tecnologias deverão ser cada vez mais parceiros fundamentais numa estratégia nacional de medicina preventiva;

Por último, e nesta reflexão inicial sobre saúde, é importante sublinhar que a Saúde, tal como as Economias Criativas, corresponde a sectores fundamentais enquanto criadora de riqueza no século XXI. Neste caso, corresponde a um dos Sectores de Negócio com maior potencial de crescimento sustentável no século XXI quer se considere o Mercado Interno, quer o Mercado Externo.

Mas a este Tema voltarei em outra reflexão.

domingo, 21 de julho de 2013

CONFERÊNCIA CIP: O PROCESSO DE REFORMA DO ESTADO - O ESTADO SOCIAL E O CRESCIMENTO ECONÓMICO: uma síntese por Maria Perpétua Rocha, Coordenadora da PASC.


A Coordenadora da PASC - Plataforma Activa da Sociedade Civil, Maria Perpétua Rocha, participou na 3ª Conferência do Ciclo organizado pela CIP - Confederação Industrial de Portugal, subordinado ao tema "Economia Portuguesa / Competitividade e Crescimento". Foi no passado dia 9 de Julho, na ACL - Associação Comercial de Lisboa, e tratou d'"O Processo de Reforma do Estado - O Estado Social e o Crescimento Económico". Tendo a CIP considerado a PASC, com as suas actuais 35 Associações, Parceira da Sociedade Civil, convidou-a a participar, no que foi representada pela sua Coordenadora, que elaborou a presente síntese. [Nota de 9 de Setembro de 2014: a CIP - Confederação Industrial de Portugal tem um novo portal, pelo que as ligações nesta página ficaram desactualizadas.]

 

 

Foto em www.cip.org.pt















O Debate, moderado por Manuela Ferreira Leite, teve como oradores António Bagão Félix, Suzana Toscano, Maria de Lurdes Rodrigues e Luís Valadares Tavares. É de realçar a qualidade das intervenções e sobretudo a grande convergência na análise da situação e nas soluções apontadas. Apresenta-se aqui a síntese do conteúdo das intervenções, na Abertura e Conclusão da Conferência, do Senhor Presidente da CIP, José Saraiva, que podem ser consultadas na íntegra no sítio da CIP.
A partir destes textos fundamentais, em particular no momento actual, e respeitando o seu conteúdo sublinha-se:

  • As Empresas estão preocupadas com as condições que determinam o seu funcionamento e o seu desempenho. Não estão apenas preocupadas com os factores que directamente as afectam - financiamento, fiscalidade, energia, reindustrialização, justiça ou muitos outros que directa ou indirectamente condicionam e influenciam a actividade económica, os seus projectos, o investimento e o emprego - têm uma noção mais ampla do Interesse Nacional.
  • A CIP elegeu, para a prossecução dos seus objectivos estratégicos dominantes, a defesa de três grandes prioridades para a economia portuguesa em 2013:

    • Promover a Internacionalização;
    • Promover a Reindustrialização;
    • Concretizar a Reforma do Estado;

  • A CIP tem defendido um forte compromisso para a redução estrutural da despesa pública de modo a atingir, a prazo, um peso no PIB consentâneo com um nível da carga fiscal e parafiscal na economia que permita uma maior competitividade externa e uma maior capacidade de atracção de investimento; tal objectivo só será possível mediante a redefinição do papel do Estado na economia e uma reforma profunda de toda a Administração Pública e do Sector Empresarial do Estado.
  • A Reforma do Estado não pode ser feita olhando apenas a sua função - que também a tem - de patrão e de empregador. Esta é uma função que o Estado tem assumido e que, talvez, lhe tenha condicionando as opções. Um Estado que se assume apenas enquanto empregador é levado a recear mais pelos efeitos que as suas políticas tenham no emprego do que pelas consequências que terão na eficiência e na eficácia. Essa poderá ser uma das razões do enorme atraso na Reforma do Estado.
  • O Estado para ser eficiente tem que: 

    • saber exactamente quais são as suas funções e quais as suas responsabilidades;
    • saber fazer bem feito o que lhe compete e abandonar o que cabe a uma Sociedade organizada fazer.

  • É necessário definir onde o Estado deve estar e intervir, com que meios, o que deve fazer, quanto custa, quais os recursos de que necessita para se sustentar e onde colhe esses recursos.
  • O objectivo da Reforma do Estado não é apenas a redução da despesa pública. A Sociedade Civil organizada tem obrigação de se pronunciar sobre como atingir esse objectivo. Consequentemente, deve participar nessa reforma contribuindo para definir quer os seus objectivos, que devem ir além dos meros resultados financeiros, quer a metodologia para a realizar.
  • A Reforma do Estado não pode continuar a ser confundida com a Reforma da Administração Pública. São temas diferentes e como tal devem ser tratados. No entanto, o que for feito na Reforma da Administração Pública tem que resultar das definições que ocorram no quadro da Reforma do Estado.
  • A questão da Reforma do Estado é uma questão de falta de meios ou uma questão de falta de Visão?
  • Não meramente para reduzir desequilíbrios orçamentais, a Reforma do Estado deve principalmente surgir para:

    • Adequar o Estado à Visão e às Estratégias de Desenvolvimento pretendidas para Portugal;
    • Estabelecer as Políticas Públicas decorrentes dessa Visão e dessas Estratégias;
    • Organizar os aparelhos administrativos do Estado que permitam concretizá-las com eficácia e eficiência;
    • Afectar os recursos públicos possíveis à sua utilização de acordo com as disponibilidades nacionais.

  • A Reforma do Estado deve ter como objectivos importantes:

    • Ganhar eficiência gerindo os recursos públicos de forma a garantir um melhor Serviço Público, com os mesmos recursos;
    • Garantir que a intervenção do Estado não se transforma num bloqueio para a iniciativa individual, o desenvolvimento da actividade económica e o funcionamento das instituições públicas e privadas num quadro de competição regulada.

  • Os serviços públicos têm que ser reconhecidos pela sua utilidade e pela importância que têm para os cidadãos. Consequentemente, a Reforma das Administrações Públicas, implica:

    • Apreciar o seu mérito;
    • Reforçar o seu sistema de avaliação de desempenho;
    • Oferecer rescisões amigáveis aos menos qualificados;
    • Reforçar as competências especializadas, através de formação e de contratações apropriadas;
    • Reduzir o desperdício a Zero.

  • A Reforma da Administração Pública deve assentar na lógica do serviço que presta. O resultado será uma estrutura mais eficiente, mais eficaz, consumindo menos recursos e propiciando um serviço público de maior qualidade.
  • O Estado Social desenvolveu-se com uma crescente afirmação e estruturação dos poderes do Estado, que evoluiu de mínimo, ou assistencialista, a providencial e a garante do bem-estar, e as sociedades modernas correspondem com maior ou menos grau a esta organização. Este sistema de garantia e segurança levou à dinamização da economia e à iniciativa individual. Em contrapartida, atenuou-se fortemente a noção de solidariedade e alimentaram-se individualismos, ao mesmo tempo que aumentava a dependência dos poderes políticos.
  • A CIP considera que há que transformar um Estado que abafa e tolhe a responsabilidade da sociedade, num Estado possibilitador. Um Estado que, ao invés de criar dependências, promova a autonomia e a iniciativa da Sociedade Civil. Um Estado que fomente uma cultura de partilha de riscos e que assegure a igualdade de oportunidades.
  • Alterou-se o tempo e o espaço das decisões e os poderes públicos enfrentam hoje uma limitação à sua soberania, ficando em risco os objectivos de justiça social e desprotegendo os cidadãos diante dos novos e antigos riscos. A gestão desta mudança exige consciência dos riscos mas também uma noção clara do que deve ser preservado no inevitável processo de adaptação. O que está em causa deve ser séria e profundamente discutido na Sociedade, sem sofismas, preconceitos ou maniqueísmos. Podem condensar-se as seguintes opções, em forma de questões:

    • Sistema público totalizante ou sistema misto baseado numa complementaridade responsável?
    • Soluções óptimas mas inexequíveis ou soluções de segunda ordem exequíveis?
    • Menos Estado ou melhor Sociedade?
    • Visão determinista e impositiva do aforro ou alguma liberdade de escolha?

  • Em qualquer caso, o Estado Social deve assentar nos seguintes pontos:

    • Reconhecimento da protecção social universal como um bem público;
    • Não confusão entre provisão pública de direitos sociais e a sua produção pública, com a afirmação plena do princípio da subsidiariedade social;
    • Conjugação gradual, sensata e equilibrada entre a protecção social e a liberdade de escolha;
    • Conjugação integral entre direitos e deveres sociais;
    • Promoção da família como núcleo natural de solidariedade geracional.

  • A verdadeira reforma do Estado, em particular a reforma do Estado Social, passa por aumentar a produtividade. Só há melhor redistribuição se houver criação de riqueza.
  • Não cabe ao Governo indicar o caminho às Empresas. Compete ao Governo facilitar esse caminho e remover os obstáculos que continuam a levantar-se: custos de contexto absurdos e desmotivadores, como uma burocracia pesada e quase obsessiva e uma multiplicidade de taxas que penalizam a competitividade e consomem tempo e recursos das empresas.

A Reforma do Estado é um tema que diz respeito a toda a Sociedade Civil e não apenas ao Governo e aos partidos políticos. Deve ser objecto de um compromisso de futuro, envolvendo todas as forças políticas e sociais, num pacto consistente e firme, no qual todos se comprometam decididamente e com determinação de cumprir e fazer cumprir.

A Reforma do Estado diz respeito a todos.


sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

CONTRA O USO ABUSIVO DO TERMO "SOCIEDADE CIVIL" PELO GOVERNO DA REPÚBLICA: Carta Aberta ao Primeiro-Ministro de Portugal.


A PASC - Plataforma Ativa da Sociedade Civil não pode deixar de repudiar a utilização abusiva da designação “Sociedade Civil” pelo Governo da República.


Em 15 de Janeiro, o Primeiro-Ministro de Portugal, manifestamente incapaz de diálogo político e social, incapaz de comunicar com a sociedade portuguesa, cada vez mais “cegamente” isolado, decretou que Sociedade Civil se reduz a meia dúzia de Secretários de Estado, uns quantos antigos ex-Governantes e deputados e alguns cidadãos mais próximos, tudo num total de cerca de trinta pessoas.


O senhor Primeiro-Ministro promoveu esta reunião porque pensou, erradamente, que bastaria este exercício para legitimar, através da utilização indevida da designação “Sociedade Civil”, o seu exercício de “Refundação do Estado”, que por sua vez, serve de “slogan” para justificar mais cortes discricionários, por agora mais 4 mil milhões de euros.


Este facto não se pode repetir!


Por isso, a PASC - Plataforma Ativa da Sociedade Civil manifestou junto do Primeiro-Ministro a sua posição, com a legitimidade de quem, como muitos outros portugueses, se preocupa com Causa de uma Cidadania Activa e Participativa em Portugal.

 

 

 


Carta Aberta ao Primeiro-Ministro de Portugal

 

CONTRA O USO ABUSIVO DO TERMO "SOCIEDADE CIVIL" PELO GOVERNO DA REPÚBLICA



Tal como os outros Portugueses, ficámos a saber desde o passado dia 15 de Janeiro o que é a Sociedade Civil para o Primeiro-Ministro de Portugal.

Mostrando intensa desfocagem da realidade, decretou que "Sociedade Civil" é uma meia dúzia de Secretários de Estado, uns quantos antigos ex-Governantes e Deputados e alguns Cidadãos mais próximos, num total de cerca de trinta pessoas.

Promoveu uma reunião, no velho palácio Foz, apenas com os referidos elementos de sua escolha, pensando erradamente que bastaria este exercício para legitimar, através da utilização indevida da designação "Sociedade Civil", o seu exercício de “Refundação do Estado”, que por sua vez serve de “slogan” para justificar mais cortes discricionários, por agora mais 4 mil milhões de euros.

Com esta Carta Aberta, os signatários – cidadãos portugueses, com a legitimidade de quem, como muitos outros portugueses, se preocupa com a Causa de uma Cidadania Activa e Participativa em Portugal – manifestam publicamente a sua indignação pelo desrespeito demonstrado pelo Primeiro-Ministro de Portugal.

Senhor Primeiro-Ministro, um Estado Democrático é aquele que reconhece a sua verdadeira Sociedade Civil como uma sociedade onde estão representadas as Organizações Não Governamentais, as Associações e Instituições Cívicas Voluntárias que trabalham para o desenvolvimento social, cultural e económico do País, que trabalham em sinergia com o Estado num desígnio comum nacional, mas que mantêm a sua independência ética e técnica em relação aos regimes.

Senhor Primeiro-Ministro: ignorar ou confundir-se em relação ao que é a Sociedade Civil é pôr em causa a Democracia e é um erro profundo.

São as Organizações não partidarizadas da Sociedade Civil que constroem o capital de confiança, que partilham valores, que detêm competências éticas, morais e técnicas e que estão naturalmente vocacionadas para a crítica construtiva e para a apresentação de propostas de solução para os problemas, sobretudo numa visão de médio e longo prazo, sendo de facto a moldura essencial para uma governação democrática.

As Organizações da Sociedade Civil são um pilar fundamental da coesão nacional, coesão essa que, perigosamente, parece não fazer parte das preocupações de Vossa Excelência.

Senhor Primeiro–Ministro, em Portugal sempre existiram Associações e Movimentos da Sociedade Civil. A sua importância fez-se sentir em momentos de mudança. A Democracia, em Portugal e no mundo, fez-se com elas e por elas.

Em Portugal, nunca como agora, se assistiu a um crescendo de participação cívica individual ou colectiva. São disso exemplo a vitalidade dos múltiplos Movimentos de Cidadania, foi disso exemplo a capacidade de mobilização espontânea dos Portugueses expressa no dia 15 de Setembro de 2012. Quatro meses depois, Vossa Excelência afronta a Sociedade que o elegeu, ignorando-a.

Senhor Primeiro–Ministro, manifestamos-lhe a nossa indignação - com a convicção de que ela é também a de muitos outros portugueses - por esta tentativa de utilização abusiva da designação "Sociedade Civil" para procurar justificar as políticas Governamentais.

Senhor Primeiro-Ministro, creia que não será pela desvalorização que faz da Sociedade Civil portuguesa que deixaremos de continuar a fazer o nosso trabalho, que é genuíno e legítimo e que, entre outros, se empenhará em devolver a ética, a dignidade e a transparência ao Estado Português, por nós consideradas as bases da "Refundação" de que Portugal carece.

Os signatários desta Carta Aberta, cidadãos portugueses, subscrevem-na com a legitimidade de quem, como muitos outros cidadãos, se preocupa com a Causa de uma Cidadania Activa e Participativa em Portugal e consideram ser seu dever cívico fazer sentir ao Primeiro-Ministro de Portugal a necessidade premente de Governar em função do desenvolvimento da Sociedade Portuguesa e do Futuro de Portugal.


Pela PASC – Plataforma Activa da Sociedade Civil,
 
A Coordenadora, 
Maria Perpétua Rocha.
 

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

REFORMA DO ESTADO – O FUNDO E A FORMA (DESASTRADA): um artigo de José Eduardo Garcia Leandro.


por José Eduardo Garcia Leandro (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

 


A Reforma do Estado é algo de tão indispensável e vital que muita gente a tem pedido ao longo dos anos; o atual Governo, embora cheio de todo o tipo de dificuldades resolveu lançar mãos à obra. As palavras jusficativas do Primeiro Ministro pareciam apontar para algo de sério e rigoroso, o que foi um grande logro.

Uma Reforma séria demora anos a fazer para ter sucesso e é preciso contar com muitos nacionais que conheçam bem a máquina do Estado, nas suas diferentes componentes (não se faz com visitantes estrangeiros). Acresce que o convite à Sociedade Civil deveria ter sido feito também a diferentes associações existentes e não apenas a especialistas escolhidos a dedo a quem não foi dada toda a informação, nomeadamente o limite de um mês para justificar o corte de 4 mil milhões de euros para dar cobertura a medidas já decidididas e o envolvimento pessoal de Carlos Moedas como responsável por tal dita Refundação (decisão inacreditável).

Fui convidado para integrar o Painel de Segurança e Defesa, com informação limitada, e só pelo Expresso de 5 de Janeiro tomei conhecimento de todo o enquadramento e objetivos; em consequência devinculei-me rapidamente, já que eu (e tantos outros) apenas serviriamos para ser manipulados e utilizados. Foi difícil reunir os Painéis por recusas e algumas desistências, já que qualquer adulto responsável sabe que este processo não se resolve num mês como se fosse um tsunami; com a excepção de alguns rapazolas convencidos que são deuses, ou talvez Robespierre, que acabou mal.

Neste campo o Governo dá os sinais mais contraditórios, transmitindo a sensação de completa desorientação e falta de qualquer Estratégia; assim, acumulam-se documentos como o projeto do CESDN - Conceito Estratégico de Segurança e Defesa Nacional (documento Fontoura, de grande qualidade e que vai ficar numa gaveta), as Grandes Opções do Conceito Estratégico de Defesa Nacional (que seguiu para Pareceres na Assembleia da República, e que seria o grande enquadramento da versão final do CESDN, a aprovar em Conselho Superior de Defesa Nacional), a proposta Moreira da Silva sobre o crescimento económico e o badalado texto do FMI que (encomendado e com muitos erros) vai em sentido contrário de todos os outros. Relativamente a este houve uma fuga e quando surgiu pela primeira vez ainda nem completo estava; teve de se pedir ao FMI que o acabasse à pressa para que o incomparável Carlos Moedas o fosse justificar entusiasticamente nas televisões.

Nem vale a pena falar nos Orgãos de Comunicação Social; podem ser feitas todas as reuniões à porta fechada, mas, nestes casos, não se convidam os Orgãos de Comunicação Social.

Com este historial, alguém pode acreditar que se pode fazer um trabalho sério?

Entretanto, Vitor Gaspar domina o Governo e a sua preocupação na crise concentra-se exclusivamente na frente externa; o que se passa com os cidadãos na frente interna não é seu problema.

Nestes moldes o Primeiro Ministro (que deveria ser o grande decisor e integrador equilibrado) nunca vai encontrar o apoio de qualquer Sociedade Civil ou cidadão minimamente responsável, ou de outro modo: o que será preciso fazer para que quem rodeia o Primeiro Ministro execute o seu trabalho com rigor, honestidade e profissionalismo.

O Estado tem uma ética e não serve para rapaziadas.

O modo como se processou esta Conferência no Palácio Foz integra todos os ingredientes de como estas ações não devem ser feitas; esperemos que tenham aprendido alguma coisa e Carlos Moedas tem muito a aprender.

Lisboa 16 de Janeiro de 2013.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

A UTILIZAÇÃO ABUSIVA DA DESIGNAÇÃO SOCIEDADE CIVIL PARA O "BRANQUEAMENTO" DAS POLÍTICAS GOVERNAMENTAIS: Carta Aberta ao Primeiro-Ministro de Portugal, por Maria Perpétua Rocha.


por Maria Perpétua Rocha (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

 


Tal como todos os Portugueses, fiquei a saber, a partir de 15 de Janeiro, o que é a Sociedade Civil para Primeiro-Ministro de Portugal!

Manifestamente incapaz de diálogo político e social, incapaz de comunicar com a sociedade portuguesa, o Primeiro-Ministro, cada vez mais “cegamente” isolado, decretou que Sociedade Civil é meia dúzia de Secretários de Estado, uns quantos antigos ex-governantes e deputados e alguns cidadãos mais próximos, tudo num total de cerca de trinta pessoas.

O Senhor Primeiro-Ministro promoveu esta reunião porque pensou, erradamente, que bastaria este exercício, mais um exemplo da ausência de transparência e da política de tábua rasa em relação aos princípios democráticos, para legitimar, através da utilização indevida da designação “Sociedade Civil”, o seu exercício de “Refundação do Estado”, que por sua vez, serve de “slogan”para justificar mais cortes discricionários, por agora mais 4 mil milhões de euros.

E por coincidência ou não, este debate com esta pseudo sociedade civil, aconteceu no velho palácio do antigo Secretariado Nacional de Informação!

Senhor Primeiro-Ministro, um Estado Democrático é aquele que reconhece a sua Sociedade Civil, uma sociedade onde estão representadas organizações não governamentais, associações e instituições cívicas voluntárias, que trabalham para o desenvolvimento social, cultural e económico do País, que trabalham em sinergia com o Estado, num desígnio comum nacional, mas que mantêm a sua independência ética e técnica em relação aos regimes.

Senhor Primeiro-Ministro, ignorar ou confundir-se em relação ao que é a Sociedade Civil é pôr em causa a Democracia e um erro profundo.

São as Organizações não partidarizadas da Sociedade Civil que constroem o capital de confiança, que partilham valores, que detêm competências éticas, morais e técnicas, moldura essencial para uma governação democrática.

São as Organizações da Sociedade Civil um pilar fundamental da coesão nacional, coesão essa que, perigosamente, não faz parte das preocupações de Vossa Excelência.

Senhor Primeiro-Ministro, sempre existiram em Portugal Associações e Movimentos da Sociedade Civil. A sua importância fez-se sentir em momentos de mudança. A Democracia, em Portugal e no mundo, fez-se com elas e por elas.

Em Portugal, nunca como agora se assistiu a um crescendo de participação cívica individual ou colectiva. São disso exemplo a vitalidade dos Movimentos de Cidadania, é disso exemplo a capacidade de mobilização dos Portugueses expressa no 15 de Setembro.

Exactamente 4 meses depois, Vossa Excelência afronta, ignorando, a Sociedade que o elegeu.

Senhor Primeiro–Ministro, não sendo profissional da comunicação social, mas sendo uma cidadã que escolheu viver em democracia, não posso ignorar e deixar de repudiar, nesta Carta Aberta, a sua interpretação da liberdade de imprensa, patente na forma como tratou estes profissionais, convidados para participarem nessa “encenação”, igualmente tradutora da sua interpretação dos princípios democráticos.

Manifesto-lhe a minha indignação, que é certamente a de muitos portugueses, por esse exercício, a tentativa de utilização abusiva da designação sociedade civil para o “branqueamento” de políticas Governamentais, para cuja implementação certamente os portugueses não o legitimaram quando o elegeram.

Senhor Primeiro-Ministro, creia que não será pela desvalorização que faz da Sociedade Civil que deixaremos de continuar a fazer o nosso trabalho, que é genuíno e legítimo e que, entre outros, se empenhará em devolver a ética, a dignidade e a transparência ao Estado Português, as bases da refundação de que Portugal carece.


Maria Perpétua Rocha

Cidadã Portuguesa, com a legitimidade de quem, como muitos outros portugueses, se tem dedicado à causa de uma cidadania activa e participativa em Portugal.

 
Esta Carta é escrita em nome individual.

A ela se poderão associar outros cidadãos que queiram fazer sentir ao Primeiro Ministro de Portugal a necessidade premente de Governar em função do desenvolvimento da Sociedade Portuguesa e do Futuro de Portugal.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

A PROPÓSITO DA REFUNDAÇÃO: um artigo de Jorge Marques.


por Jorge Marques (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

 

 

Desde o primeiro dia da governação, o actual executivo tinha fundamentalmente três grandes objectivos estratégicos e que eram a gestão do memorando com a Troika, o crescimento económico e a reforma do Estado.

Mas eram três grandes objectivos para serem trabalhados em simultâneo e para serem agarrados por figuras de peso político e com capacidade de gestão e liderança, independentemente do que lhes quisessem chamar.

A opção do governo, diga-se em boa verdade, foi a de se concentrar apenas no memorando, arrastando consigo todos os ministros e toda a governação. De facto é muito mais fácil lançar impostos atrás de impostos do que promover forças e energias para atrair investimentos e para fazer crescer aqueles que já existiam. É muito mais fácil querer arrumar a casa dos outros do que a própria casa. Estou em crer que a opção do governo não foi uma escolha consciente, nem baseada em qualquer tipo de conhecimento ou ideologia, mas apenas o resultado de muita incapacidade e ausência de competências. O governo não tinha sequer uma visão e muito menos uma estratégia.

No meio deste desnorte, o ministro das finanças balbucia a descoberta da pólvora, os portugueses querem demais para aquilo que pagam e logo a seguir o seu discípulo, qual Afonso Henriques, aparece com a bandeira da refundação.
Qual é, quanto a mim, o problema que gira á volta deste conceito?

A ideia de que existe um Estado como Instituição Soberana para o exterior e organizada hierarquicamente para o interior, já não é uma imagem nem real, nem possível.

O Estado enquanto forma heróica envelheceu; enquanto garante do bem comum está em sobrecarga e já não pode garantir nada; enquanto benfeitor da sociedade já não tem recursos suficientes e enquanto Centro de Governo já só é mais um centro no meio de muitos outros.

Neste contexto o Estado precisa reflectir, mas muito rapidamente, sobre o seguinte:

  • o mundo, o país, todos os sistemas, tornaram-se demasiado complexos e já não podem ser liderados por um vértice hierárquico onde temos colocado os governos;
  • o país não pode viver ao ritmo da Constituição, do Parlamento, nem da Máquina do Estado, o ritmo do tempo real já é outro;
  • perante o reconhecimento da sua incapacidade para gerir tudo, o Estado tem que optar entre a gestão da burocracia, das rotinas, do agora, dos pequenos conflitos de interesses ou o de ser um centro dinâmico que gera a energia e facilita a vida de todos os outros centros. O Estado tem por isso que optar por competências nucleares, emagrecer e reduzir substancialmente todas as tarefas que não comportam qualquer valor;
  • nesta linha de pensamento, o falar em refundar é só mais uma das variantes para não se fazer nada, ou mudar para que tudo fique na mesma; o que o Estado tem que fazer, é o de rever a sua missão, os seus objectivos, as suas tarefas e aquilo que lhe compete e não compete e quem e como o vai ajudar no resto;
  • a estrutura do Governo não está à altura dos desafios de todos os outros sistemas sociais, economia, meios de comunicação, tecnologia, ciência, educação, porque estes precisam ganhar flexibilidade, autonomia e saber funcionar com interdependência. Nós não precisamos propriamente de Ministérios e de Ministros para ocuparem pastas, isso é arcaico, do que precisamos é de centros de competências e de pessoas competentes para pensar e executar da melhor forma. O Governo, enquanto entidade política, deve reservar-se para missões mais nobres, deve exercer sobretudo competências de coordenação e mediação dos Sistemas Sociais. Mas não é só o governo que precisa mudar radicalmente, é todo o Sistema Político e a pesada máquina que o suporta.

Com tudo isto, queremos dizer que também não é verdade que haja uma crise da política, muito menos que ela se esgotou, o que acabou foi uma certa forma de fazer política e que nos conduziu até aqui.

Uma nova política não tem donos, nem pode continuar a ser monopólio dos partidos políticos, ela deverá ser a essência da vida de uma Sociedade Civil madura, comprometida e inteligente…o que temos agora pela frente é muita coisa para pensar e resolver e onde todos seremos poucos. Dessa forma, também o sistema será mais eficaz e muito mais barato.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

POR UMA CIDADANIA MAIS ACTIVA NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO: sinopse da intervenção de Luís Vidigal, da APDSI, no Fórum de Associações da Sociedade Civil - “Conhecer, Agir e Mudar”.


por Luís Vidigal (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).



O aparecimento e a vulgarização vertiginosa da Internet e das redes sociais veio estimular diálogos, encurtar distâncias, democratizar informações e expandir as relações humanas, permitindo a criação de espaços e comunidades virtuais que seriam impensáveis num mundo onde tudo fazia prever o aprofundamento do individualismo e da quebra de solidariedade entre pessoas, grupos e sociedades.

Através da Internet as pessoas agrupam-se baseadas em afinidades e não por determinação geográfica, libertando a comunicação humana das barreiras do espaço e do tempo que a constrangem. A participação social através da Internet contraria a percepção da tecnologia como algo separado do nosso dia-a-dia e muito pelo contrário introduziu um novo paradigma e uma nova apropriação quotidiana da técnica sem precedentes na história da humanidade.

A nova telepresença em espaços virtuais e o novo tempo das redes fora do tempo cronológico veio revolucionar as nossas vidas. O computador deixou de ser o protagonista de um trabalho solitário para ser simplesmente a porta de entrada para uma nova sociabilidade, num espaço não territorial compartilhado por todas as culturas e singularidades e que não é propriedade de ninguém.

Com as relações sociais a migrarem de um suporte físico para novos espaços virtuais, os cidadãos e as localidades estão cada vez mais a abstrairem-se de seu sentido geográfico e histórico, pois com o rompimento dos padrões espaciais através da interacção com as redes, o “espaço dos fluxos” passou a substituir o “espaço dos lugares”.

Os novos ciberespaços desempenham na era pós-moderna o papel que as cidades e as regiões desempenharam na formação e no desenvolvimento da sociedade industrial. A cultura, entendida como o sistema de crenças e códigos historicamente produzidos, está a ser transformada de maneira fundamental pelo novo sistema tecnológico. A sociedade actual baseia-se em conhecimento, organiza-se em torno de redes que interconectam os vários elementos das novas “cidades virtuais” e relaciona-se através de uma estrutura intensiva de fluxos informacionais.

O papel do Estado como prestador de serviços e como regulador de grande parte dos eventos da vida dos cidadãos e das empresas deve encontrar nas tecnologias da informação e comunicação uma grande oportunidade para transferir para a sociedade de forma massiva os benefícios da nova Era Digital.

Falta-nos ainda no nosso país uma cultura da liberdade e da responsabilidade cívica e temos ainda uma incapacidade efectiva de exercício dos direitos e de cumprimento dos deveres.

Neste contexto as tecnologias apenas são capazes de ampliar tendências socio-culturais de exercício mais ou menos activo ou passivo de cidadania.

As relações entre o Estado e os cidadãos podem resumir-se em dois eixos com dimensões diferentes: No primeiro eixo chamado das "Relações Transaccionais" os assuntos poderão ir do "Interesse do Cidadão" (ou substantivo) ao "Interesse do Estado" (ou procedimental) e no segundo eixo chamado das "Relações Regulatórias", do lado da "Oferta" o Estado decide e o cidadão controla e do lado da "Procura" o cidadão decide e o Estado controla.

A sociedade de hoje coloca-nos problemas de exclusão maiores do que no século XIX e por isso é urgente reaprender novos conceitos de gestão pública. Tem de se aprender a trabalhar para as classes Z, Y e X ... em vez de se continuar a privilegiar canais de acesso que apenas as classes A, B e C ... podem alcançar. As tecnologias podem e devem prestar cada vez melhores serviços a todos os cidadãos independentemente das suas diferenças sociais, geracionais, culturais, geográficas, capacitivas, etc..

Cabe ao Estado, como garante da equidade e promotor do bem-estar para toda a sociedade, ajustar os meios tecnológicos e encontrar os media e as formas mais adequadas de apresentação aos diversos públicos que necessitam de informação clara e atempada para o exercício de cidadania e para a sustentação do desenvolvimento.

As bibliotecas, os clubes de bairro, as paróquias, os centros de dia e outros lugares públicos poderão desempenhar com a Internet o mesmo papel que nos anos 50 os cafés de aldeia desempenharam quando apareceu a televisão. Só que neste caso já não se trata de juntar multidões de espectadores passivos, mas de cidadãos activos e com direitos de escolha e opinião.

A penetração na Administração Pública dos novos instrumentos da sociedade da informação deve conduzir progressivamente ao empowerment do cidadão e à maior democraticidade nas suas relações com os poderes públicos. No entanto, há que acautelar aspectos de natureza ergonómica (interfaces), tanto no domínio tecnológico como no tratamento da informação, visando o tão desejado "serviço universal".

Tem-se muitas vezes uma visão redutora da reforma do Estado, propondo-se a diminuição de direitos e garantias da sociedade por sermos incapazes de acelerar, electronicamente ou não, os processos administrativos. Acabar com licenciamentos, desintervir, desregular, etc., são formas de desburocratizar, que nalguns casos são caminhos sem retorno de restrição democrática e de redução dos direitos e garantias do cidadão. É cada vez mais necessário analisar as necessidades actuais de desburocratização e ao mesmo tempo de burocratização, pois hoje é possível tecnologicamente reburocratizar, de forma inteligente, processos críticos para a sociedade, mas que se consideram irremediavelmente descartáveis devido ao esforço, ao tempo e ao custo que acarretam devido à não utilização adequada de tecnologias.

Aqui ficam algumas recomendações:

  • É urgente que se proceda à inovação institucional para melhorar os relacionamentos entre o Estado e os Cidadãos no âmbito da Sociedade da Informação;
  • O Estado deve reorganizar-se para a intergovernação cooperativa, horizontal e participada pelos cidadãos, por forma a tornar transparente e responsável a actuação de cada órgão interveniente;
  • O Estado e as associações da sociedade civil devem encorajar os cidadãos para um papel cada vez mais activo de supervisão e controlo das políticas públicas;
  • Devem ser reforçados os direitos de autodeterminação informacional e de acesso à informação sobre todos assuntos relacionados com o exercício da cidadania activa em todos os eventos de vida dos cidadãos e agentes económicos;
  • Deve ser disponibilizada de forma acessível na Internet toda a legislação e documentos de política e em particular devem-se tornar claras as responsabilidades e competências de cada organismo e o seu grau de desempenho e produtividade.
 

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

"PORTUGAL ATRAVESSA A MAIOR CRISE ECONÓMICO-FINANCEIRA DOS ÚLTIMOS 100 ANOS": Luís Campos e Cunha in "Portugal entre Gerações - Olhares inéditos de reflexão sobre o futuro do país", de Almerinda Romeira.


por Luís Campos e Cunha (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem)

 

 














































«Portugal atravessa a maior crise económico-financeira dos últimos 100 anos. Neste contexto, importa resolver e ultrapassar a crise actual, mas em simultâneo pensar o futuro. O que podemos e devemos fazer hoje para que o futuro seja melhor; o que podemos e o que devemos, como imperativo categórico, realizar e defender na acção cívica, seja esta individual ou organizada.
 
Esta crise económico-financeira com que nos debatemos e que está rapidamente a pôr em causa o bem-estar, o progresso e as Instituições na União Europeia e na América do Norte radica numa profunda crise política do funcionamento actual da democracia. A democracia, mais concretamente, os partidos existentes, não conseguem atrair os melhores para a causa pública. Se os partidos são a trave mestra da democracia, quando estes têm um mau desempenho é aquela que funciona deficientemente.

Temos de ser capazes de alcançar dois grandes objectivos. Primeiro conseguir a reforma dos partidos. Segundo é forçoso alcançar a separação do Estado dos interesses privados que o parecem controlar indevidamente. Desde logo para que os partidos se reformem temos que fazer pressão nesse sentido, através de uma opinião pública forte, esclarecida e organizada.

A democracia não se esgota na vida partidária. A dinâmica das Associações da Sociedade Civil e a participação cívica de cada um de nós pode fazer a diferença.»


Luís Campos e Cunha in AAVV, ROMEIRA, Almerinda (org.), Portugal entre Gerações - Olhares inéditos de reflexão sobre o futuro do país, SEDES - Babel, Lisboa, 2011.


segunda-feira, 14 de junho de 2010

PORTUGAL 2014 - É PRECISO MUDAR JÁ!: síntese da intervenção da SEDES no I Encontro Público PASC · 21 de Abril de 2010 · Auditório da Fundação Arpad Szenes-Vieira da Silva · Lisboa.





















A situação Social, Económica e Financeira de Portugal, é hoje certamente muito difícil. É o resultado de anos de má governação do País, de alheamento da Sociedade Civil e de ausência de uma visão clara, debatida e consensualizada sobre o futuro da Nação.

A resposta dos governos aos problemas do País tem sido desadequada, caracterizando-se por um optimismo enganador, e pela ausência de estratégia e de medidas concretas, capazes de mobilizar os portugueses.

O problema financeiro é muito grave porque um Estado sobreendividado implica maior risco e custos de financiamento mais altos: teremos menos crescimento, menos empregos e mais encargos para cada português.

Um Estado sobreendividado é um Estado fraco, incapaz, e injusto. É um Estado fraco porque negoceia sempre em estado de necessidade, sem capacidade financeira para defender o bem comum face aos interesses de que depende. É um Estado incapaz de realizar com qualidade as funções que apenas o Estado pode assegurar, como a Justiça, a Educação, a Ordem Pública ou Segurança. É um Estado injusto porque não tem recursos para apoiar os mais vulneráveis e ajudar a quebrar o círculo vicioso da miséria e da ignorância. Um Estado sobreendividado é parte do problema e não parte da solução. Portugal precisa de um Estado forte, competente, independente e justo. A situação financeira do Estado tornou-se agora a questão económica mais urgente. Sem a resolução deste problema, não haverá mais crescimento, nem mais emprego, nem mais progresso social nos próximos anos.

O equilíbrio orçamental é condição necessária mas não é certamente condição suficiente. Defrontamos há décadas sérios entraves estruturais, reconhecidos desde 1978, mas de solução sempre adiada. O desemprego atinge agora os valores mais elevados dos últimos cinquenta anos. Se não assegurarmos condições para encorajar o investimento produtivo – nacional e estrangeiro – não será possível travar as deslocalizações e criar novos postos de trabalho. Novos investimentos só optarão por Portugal se criarmos um enquadramento de competitividade vantajoso no quadro da globalização. Sabemos que esse enquadramento depende da racionalidade das políticas macroeconómicas, da garantia de fiscalidade vantajosa, da erradicação da burocracia e da corrupção, da mobilidade de factores produtivos, da qualidade dos sistemas de justiça, do ensino e da formação.

Sem um sistema judicial fiável o exercício da cidadania está posto em causa, a democracia será sempre deficiente e demolidores os seus efeitos na economia. Só um bom sistema de justiça é garantia da aplicação dos contratos. Caso contrário, o risco aumenta, desencorajando o investimento, e o emprego foge.

O progresso da Educação condiciona o futuro das famílias portuguesas e a inclusão social. O nosso País apresenta dos mais altos indicadores relativos de despesa mas, ao mesmo tempo, dos piores resultados entre os países desenvolvidos. Desperdiçar tempo e recursos como temos feito, é condenar as novas gerações e Portugal a um futuro de mediocridade.

Para termos um Estado forte e justo, para assegurar novos empregos e progresso social, para reformar a Justiça e mudar a Educação, temos de reformar o sistema político, desde os partidos à prática da governação. Mas as instituições raramente se auto-reformam. Só se reformam por força do debate público e da opinião publicada.

A qualidade da democracia resulta, em primeiro lugar, da qualidade dos partidos. Mas a democracia não se esgota nos partidos. A Sociedade Civil de forma organizada e os portugueses individualmente, têm que exercer o seu direito, que é também o seu dever, de intervenção informada e consistente para a reforma do sistema político.

Essa é a nossa tarefa nos próximos anos.