quarta-feira, 20 de junho de 2012

A TROIKA DEVIA TER OUVIDO O PESSOA: um artigo de Jorge Marques.

 

por Jorge Marques (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

 

 

É verdade, a Troika devia ter-se deslocado aos Jerónimos e ter ouvido o Fernando Pessoa. Já vou explicar porquê!

A Troika comportou-se em Portugal como qualquer consultor, chegou com ar dinâmico, envolvida em expectativa, ouviu o que precisava ouvir e deve ter perguntado:

- Então quais são os principais problemas?

E as pessoas consultadas lá foram respondendo! E depois, perguntaram ainda:

- E para esses problemas, quais são as melhores soluções?

E as mesmas pessoas lá foram debitando as soluções. No final, com tudo o que ouviram, elaboraram o relatório que nós conhecemos.

Não estarei muito longe da verdade, porque afinal naquele relatório não vi nada que já não tivesse sido falado entre nós, vezes sem conta. Sinceramente, não há uma única ideia que me tenha surpreendido.

É evidente que a Troika ouviu o formal, as Instituições, os mesmos de sempre, daí que este relatório seja pobre, porque se tivesse ouvido a inteligência e a alma deste país, se tivesse ido falar com o Pessoa, como eu disse, o relatório teria sido bem diferente e os papéis teriam sido completamente invertidos.

Pessoalmente, considero que Porter disse-nos coisas bem mais importantes e que tinham a ver com o investir naquilo em que éramos bons, este relatório diz-nos exactamente o contrário, vem confrontar-nos com aquilo em que somos manifestamente fracos e quando se investe nas fraquezas, só podemos esperar a mediania.

Vejamos o que diz Pessoa num ensaio a que chama “Como organizar Portugal”:
«[...] o problema da organização divide-se em três partes, uma das quais compete ao teórico, e as duas outras ao prático. Temos, primeiro, a determinação do plano ou norma, segundo o qual se vai organizar; temos depois, a colocação, nos lugares que lhe competem, dos homens competentes que hão-de efectivar, na prática, essa organização; temos por último, a coordenação dinâmica dos esforços desses homens, a maneira de pôr a organização em marcha. A primeira é de pura teoria; a segunda e a terceira pertencem já à prática. Para a primeira não há senão regras; para a segunda e a terceira não há outra regra senão a realidade, nem outra norma, na segunda parte, senão a intuição na escolha dos homens, e, na terceira, o espírito prático de coordenação de esforços. Não nos interessa- escusado é dizê-lo- senão aquela parte que é teoria [...]»

O nosso real problema nunca foi ao nível das ideias, do diagnóstico, nisso somos do melhor que há no mundo e poderemos até prestar bons serviços ao FMI, ao BCE ou à União Europeia. O nosso problema é a capacidade de organizar e fazer, é nisto que se tem perdido a nossa capacidade e inteligência, os nossos modelos de gestão tem-se mostrado completamente incapazes de realizar. Mas Pessoa acrescenta ainda mais:
«[...] Quem estuda um problema para o compreender não tem diante do seu espírito senão esse problema; quem estuda um problema para o resolver e o aplicar tem diante do seu espírito duas coisas - o problema e a realidade a que há-de ser aplicada a sua solução [...]»

Prescindimos da autoria do famoso relatório da Troika, isto é, estudar para compreender e ficámos apenas com o papel de o aplicar. Há aqui um enorme paradoxo relativamente ao nosso talento. Teria sido preferível assumir apenas a teoria e deixar a execução à Troika, seria até inovador, sermos apenas a parte criativa e entregar em outsourcing a execução.

Quem sabe se com outros líderes, pelo menos temporariamente, nós não daríamos um salto qualitativo enorme? Para terminar com mais uma citação de Pessoa, ele diz:
«[...] no equilíbrio das forças do progresso e de resistência ao progresso reside a vitalidade de uma nação [...]»

1 comentário:

  1. Exato. "Quem sabe se com outros lideres, nós não dariamos um salto qualitativo" que "investissem naquilo em que somos bons".

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